Com menos oferta de crédito externo, a economia do país vai se desacelerar; assim, não será preciso elevar os juros |
QUAL SERÁ o impacto da crise financeira americana sobre a economia brasileira? Podemos dizer que não existem os condutos diretos que contaminariam os ativos do nosso sistema financeiro.
As nossas instituições financeiras não detêm ativos podres originários das hipotecas "subprime" ou títulos lastreados nesses ativos. Assim, não haverá crise financeira por contaminação, mas os impactos virão dos efeitos da crise e podem ser neutralizados com ações decididas de política econômica. Tomemos dois canais de transmissão dos efeitos dessa crise: o do crédito e o do comércio.
A crise financeira norte-americana se transformou em uma crise bancária típica, com grandes prejuízos, desalavancagem desordenada e deflação generalizada do valor dos ativos financeiros. Isso resulta numa preferência pela liquidez e total paralisação do mercado de crédito.
Esse processo teve como conseqüência a reversão no fluxo de capitais financeiros do exterior, desde o início do ano, com saída de capitais, principalmente da Bovespa, em que o valor das nossas empresas encolheu mais de R$ 500 bilhões. Essa reversão nos fluxos de capitais vem provocando dois efeitos. De um lado, a depreciação do real, o que é bom para a economia brasileira, pois reativará as exportações e reduzirá as importações, retirando do horizonte uma possível crise no balanço de pagamentos devido ao déficit em transações correntes. Dessa forma, podemos travar um possível canal de transmissão da crise com ataque ao real. De outro lado, a oferta de crédito externo também desapareceu, afetando particularmente os exportadores e os pequenos bancos. A reação do BC, flexibilizando o depósito compulsório, vem neutralizando a contração na oferta de crédito externo. Essa é a oportunidade para eliminar uma aberração do nosso sistema bancário: os elevados depósitos compulsórios sobre os depósitos à vista, sobre a poupança e sobre os depósitos a prazo, o que poderia reduzir os juros ao tomador final. Com a contração da oferta de crédito externo, que desacelerará a economia brasileira nos próximos meses, não será necessário elevar os juros. Ao contrário, se não quisermos importar recessão, será preciso reduzi-los.
Já o canal do comércio exterior afetará negativamente tanto a quantidade como os preços das exportações, principalmente das commodities. A paralisia no sistema de crédito, associada à enorme perda de riqueza pelas famílias, está afetando o consumo e os investimentos nos EUA e na Europa, de forma que essas economias estão entrando numa recessão que poderá ser prolongada.
Assim, a queda no comércio poderá provocar redução no ritmo de crescimento da economia brasileira. A recessão e a contração no comércio mundial estão retirando de cena a inflação de preços de commodities, tornando desnecessária a elevação da taxa de juros. O efeito negativo sobre nossas exportações pode ser neutralizado se a taxa de câmbio for depreciada, de modo que as exportações líquidas e a taxa de poupança doméstica aumentem. Vale adicionar que ajustes nas políticas monetária e fiscal poderão reforçar o modelo de expansão do mercado doméstico e neutralizar os impactos da crise vinda do exterior.