Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 16, 2008

VINICIUS TORRES FREIRE Está na hora do pacotão brasileiro

Folha de S.Paulo,




Ameaça de Lula de recolher dinheiro de bancos indica que governo começa a perder as estribeiras e o senso de direção


DA ÍNDIA, LULA ameaçou recolher o dinheiro que o Banco Central tem liberado para os bancos. Pela TV, Lula parecia "hoje eu num tô bão", assim como estão irritados os seus ministros econômicos com o fato de os bancos estarem represando o dinheiro liberado -investem cada vez mais em dívida pública. De resto, estão com medo de negociar no mercado e se queixam cada vez mais de normas imprecisas a respeito do emprego desse dinheiro extra, que também estaria sendo "direcionado" pelo governo.
A ameaça não deve dar em grande coisa, mas: 1) Lula afirmou que a política do BC está sendo decidida no Planalto e que vai pressionar bancos privados. Ok, a tese sempre meio fuleira de que BCs são "técnicos" e devem ficar longe da "política" foi mais desmoralizada nesses dias de desastre vexaminoso do mercado. Basta ver o BC dos EUA, com as mãos na lama da ruína político-financeira.
De resto, governos como o britânico ora dão ordens a bancos. Ainda assim, fica o registro sobre Lula e o BC do Brasil; 2) Se Lula recolhesse o dinheiro do bancos não resolveria a seca de crédito e ainda arrumaria conflitos infrutíferos; 3) A ameaça de Lula é um sinal de que o governo perde as estribeiras. Dada a desorientação política que se viu na Europa e ainda se vê nos EUA, por comparação o governo brasileiro ainda não vai tão mal. Ainda.
A duração inesperada da catástrofe euro-americana torna a situação a cada dia mais grave. O governo brasileiro procurou apagar os incêndios que apareciam, ok, mas começa a ficar cercado de fogo. Ontem, viu-se que o crédito para o comércio exterior de fato secou. A falta de transparência das empresas e do sistema financeiro brasileiro multiplicou o efeito ruim das perdas de companhias grandes com o dólar -o medo se espraiou. A volatilidade de preços básicos da economia, como o do dólar, e o medo da recessão paralisam negócios. O custo do crédito que ainda existe continua a subir. Empresas e bancos menores não conseguem captar nada -fundos de investimento sangram, entre outros motivos, porque empresas pequenas sacam poupanças para tocar o dia-a-dia. Exportadores não sabem de seus preços hoje e têm medo do amanhã -para completar, o custo de fazer proteção contra variações do dólar na Bolsa ficou mais caro de um mês para cá. Para onde se olha, há fogo e fumaça depois de um mês de depressão global de crédito.
Mesmo que os pacotões euro-americanos comecem a funcionar, em algumas semanas, tal demora já terá sido bastante para causar mais estragos. Problemas localizados em grupos de empresas ou bancos podem fermentar e contaminar ainda mais o ambiente. Muito prejuízo já está dado, inclusive no Brasil.
O governo brasileiro, pois, precisa de um plano coordenado e amplo para dar conta da irrupção da epidemia por aqui. De financiamento em mercados específicos à política macroeconômica, o governo precisa se entender, unificar discursos e ações e preparar o país para o tranco. Tomar medidas com base numa meta de crescimento (de resto de 4%!) no ano que vem significa descolamento -não da crise mundial, mas da realidade. Vamos ter de consumir mesmo menos ou acumular passivos que vão custar muito caro.

vinit@uol.com.br

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