Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 24, 2008

VINICIUS TORRES FREIRE "Errei, sim, manchei o teu nome..."


Greenspan, o mago brilhante das bolhas, faz mea-culpa e se diz "angustiado" com "falhas" e "erros" dos "mercados livres"

"MAS FOSTE tu mesmo o culpado/ Deixavas-me em casa/ Me trocando pela orgia" financeira, poderia ter dito Alan Greenspan sobre os mercados, a exemplo de Dulce Veiga cantando o mea-culpa pré-feminista de Ataulfo Alves, canção de antologia da música brasileira, de 1950.
Mas o que Greenspan disse mesmo ontem a deputados americanos foi: "Cometi um erro ao pressupor que o interesse próprio ["self-interest'] das organizações, especificamente bancos, fosse de tal ordem que isso as tornaria capazes de dar a melhor proteção a seus próprios acionistas e ao valor de suas firmas".
Em suma, Greenspan disse que o mercado dá tiros no próprio pé e que os estilhaços atingem a vizinhança, em especial no andar de baixo. Isto é, que os agentes econômicos não são racionais, coisa de que a teoria econômica padrão suspeita faz algumas décadas, a seu modo. Porém o economicismo e o mercadismo fazem a maior chacrinha quando alguém sugere intervenções que "conspurquem" o mercado "puro".
Greenspan dirigiu o Banco Central dos EUA, o Fed, durante a inflação das maiores bolhas financeiras da história (1987-2006). De resto, esse economista no entanto brilhante foi o propagandista-mor da desregulamentação financeira.
O economista, que não costuma dar o braço a torcer, foi aperreado por deputados em época de eleição.
Ao contrário de parlamentares brasileiros, que ou não sabem o que perguntar a autoridades econômicas ou as bajulam, os americanos saltam na jugular e tratam gente do governo como empregados dos eleitores, o que são de fato. E, claro, jogam para a galera. Mas jogam pesado.
"Descobri uma falha [nos mercados livres]. Não sei quão significativa ou permanente ela é. Mas esse fato tem me angustiado", disse Greenspan, pressionado por deputados do Comitê de Supervisão e Reforma do Governo, que discutiam regulação.
Greenspan disse no seu discurso que chegou a um "estado de descrença chocada" devido ao colapso financeiro criado pela própria finança. Mas continuou a manifestar descrença nos poderes da regulação.
As inovações financeiras sempre ocorreram contra a regulação desde que tiveram início na Itália, faz uns oito séculos (quando o regulador-mor era a Igreja). E, em geral, são tecnologias de progresso. A conversa sobre regulação, ainda quando vem da "esquerda" ou de "desenvolvimentistas", é muito despolitizada e sociologicamente rudimentar.
É, óbvio, do interesse geral evitar desastres financeiros que provoquem depressões econômicas. Mas, nesse ínterim, o que ocorre? Como são distribuídos os benefícios da bonança de mercados mais ou menos regulados? Quem detém os poderes para determinar a distribuição? Dadas as "falhas de mercado" ou seu "caráter sistemicamente instável", quais são as receitas e as intervenções sociais possíveis na forma de organização de mercados e instituições de distribuição e regulação?
A propaganda do mercadismo e os críticos das "jabuticabas" brasileiras (há frutas estranhas em toda parte) não defendem mercados ou a racionalidade econômica. Em primeiro lugar, pretendem manter a ordem das coisas no que diz respeito à distribuição de renda e de poder.

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