Contados os votos, consolidada a falácia da transferência automática de prestígio como valor absoluto na expressão eleitoral, Lula anuncia presença "na medida do necessário" e Serra avisa que comparecerá "se for chamado".
Noves fora, o presumido embate entre o presidente da República e o candidato mais cotado à sua sucessão pelo jeito queda-se devidamente adiado. Se houver, será só depois das eleições municipais.
Nada indica - muito menos aconselha - que o presidente Lula vá se jogar de peito aberto na campanha de Marta Suplicy ou em qualquer outra. Como o governador de São Paulo pretende se balizar pela intensidade da atuação do presidente, se Lula for mais devagar, Serra seguirá o ritmo.
Um confronto direto agora valeria o tira-teima sobre o peso de cada um em São Paulo para 2010.
Se tiver bom senso, Lula pisará com mais cuidado. Se, numa hipótese improvável, resolver dobrar o investimento, multiplica também o risco. Com a desvantagem de não aumentar na mesma proporção a chance de vitória.
O presidente pessoalmente só tem a perder. Como no primeiro turno a presença dele não influiu nem contribuiu objetivamente para o resultado, mas serviu para integrá-lo ao rol dos tidos como derrotados, se Marta ganhar, a glória será dela. Se perder, Lula abre de novo o debate sobre sua incapacidade de transferir votos.
Descredencia a si como cabo eleitoral privilegiado, e desidrata as expectativas a respeito das possibilidades de Dilma Rousseff em 2010. Ainda que a transferência na eleição presidencial ainda careça de comprovação, a pré-candidatura da ministra hoje sobrevive dessa "promessa".
Quanto mais derrotas o presidente colecionar agora, menos promissora parecerá sua força para tirar uma presidente da República da própria costela. Isso vale para fora e para dentro do PT. Se porventura Dilma começar a ser vista como mera miragem, a perspectiva de poder muda de direção e, com ela, muda junto a correlação de forças hoje favorável ao governo.
Não há, portanto, nenhum motivo racional para o presidente imprimir a crueza da realidade a um quadro ainda ilusório, mas confortável.
O comedimento é bom para Lula e para todos os padrinhos cujas famas de maiorais saíram abaladas pela insuficiência de desempenho de seus candidatos. Se puderem escolher, antes deixar os afilhados morrerem pagãos que desembolsar capital político para pagar as contas dos enterros.
Não quer dizer que haverá abandono em massa. Há casos de patronos bem-sucedidos - Geddel Vieira Lima, que reergueu a massa falida do prefeito João Henrique em Salvador - e casos de recuo impossível.
Em Belo Horizonte, o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel não têm saída: ou carregam Márcio Lacerda até o fim para tentar uma vitória apertada ou amargam uma derrota acachapante.
Minas, porém, é exceção. Ali houve erro de pessoa na escolha, colaborou a inesperada competência do adversário (visto em retrospectiva, bem mais adequado para formar uma trindade com Aécio e Pimentel) e o pupilo não consegue dar dois passos sem o amparo dos patronos.
A aposta era alta, tinha tudo para dar certo - inclusive o apoio da população à aliança do governador e do prefeito - e agora é trabalhar para reduzir os danos.
Neste aspecto, Aécio continua dono da faca, porque conseguiu dizimar o PT na capital. Mas teve um substancial pedaço do queijo subtraído pelo eleitorado que o impediu de registrar, para efeito da disputa pela legenda do PSDB à Presidência, a condição de senhor absoluto dos votos na capital de Minas Gerais.
Bolsa-Rio
Enquanto o eleitor dá uma demonstração de independência na escolha de seus representados, os representantes do Rio de Janeiro dão sucessivas mostras de subserviência ao governo federal. Sinal inequívoco da decadência de um Estado forjado na prática da autonomia, quando não da rebeldia, eleitoral.
Todos - do governador ao espectro completo de candidatos - manifestam temor reverencial ao poder de manipulação do Orçamento federal. É generalizado o discurso de que o Rio precisa ser "amigo" de Brasília, a fim de ter garantidos os repasses de verbas da União.
Em algum ponto do caminho o princípio da impessoalidade que rege a administração pública foi substituído pelo critério da esmola mediante uma política de boa vizinhança.
A relação isenta entre os entes federativos é mais que uma obrigação, é uma imposição legal. No lugar de mostrar isso ao cidadão carioca, os representantes do Rio alimentam a mentalidade cortesã imaginando recuperar importância no cenário político nacional na base da esmola.