Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 14, 2008

Política, economia e credibilidade Sandra Cavalcanti

Nós, seres humanos racionais, vivemos de acreditar! Crédito é a palavra-chave de todas as nossas formas de convivência. Todo o processo de educação da criatura humana se desenvolve no terreno da credibilidade. Mesmo quando ainda não adquirimos a capacidade de raciocinar, nós somos movidos pela capacidade de acreditar.

A criança acredita naquele rosto lindo que se debruça sobre ela a cada instante, desde que ela chega ao mundo, trazendo-lhe conforto, segurança, carinho, alimento e, de forma quase imperceptível, muitas informações. Vai crescendo e vai acreditando... Depois acredita na professora, acredita nos livros, acredita nas histórias que lhe vão sendo contadas. Na verdade, todos nós passamos a vida acreditando.

O pior que pode acontecer ao ser humano é a perda da capacidade de acreditar no outro ou a incapacidade de ser objeto da credibilidade desse outro.

O crédito está associado, indissoluvelmente, ao exercício da veracidade. O que mata o crédito é a falsidade, a mentira, a ganância, a esperteza . Sempre que, nas suas mais diferentes atividades, a criatura humana se afasta deste comportamento, as conseqüências são impiedosas.

Faz tempo que aqui, no Brasil, a atividade política se vem distanciando dos valores éticos. Faz tempo que, para legisladores e executivos públicos, o que importa é chegar ao poder, sem nenhuma vinculação com fundamentos morais. Ninguém precisa acreditar na palavra de ninguém. Nem o candidato nem o eleitor. Se as palavras vierem bem formuladas, espertas, manipuladas, cheias de slogans persuasivos, carregadas de promessas coloridas e até perfumadas, elas conseguem ludibriar os incautos e alcançam seus objetivos.

Estamos quase chegando ao fim de tediosa e longa temporada de campanha municipal, que obedece ao figurino perverso do voto proporcional, imposto ao eleitorado brasileiro. Além dos conchavos, dos arranjos, das alianças espúrias e sem sentido, tivemos de suportar os programas de rádio e de TV, definidos como propaganda eleitoral (supostamente) gratuita.

Foi um doloroso espetáculo de malandragem, ausência total de senso de ridículo, completa ignorância sobre os limites e as atribuições legais da administração municipal, acrescidos de amplo desconhecimento dos seus verdadeiros problemas. Prefiro não fazer comentários sobre o exotismo e a palhaçada dos nomes e apelidos dos concorrentes, alguns deles verdadeiramente dignos de platéias de circo.

Houve honrosas exceções. Alguns candidatos evidenciaram, de forma clara, que suas declarações sobre o respeito e a dedicação ao bem comum não eram simples palavrório. Eles revelaram grande valor e atuação muito digna na vida pública. Por isso mesmo, foram premiados com excelentes resultados, tanto para prefeituras quanto para Câmaras Municipais.

Mas no geral, infelizmente e quase o tempo todo, as programações mostraram que, para os candidatos ao exercício de mandatos, a credibilidade importava muito pouco! Ela foi lançada às favas. A maioria só estava em busca de popularidade!

Esse é o grande drama de nossa vida política. A busca de popularidade! A confusão perigosa entre popularidade e credibilidade.

O líder político que busca ter crédito real junto ao povo, que se baseia na capacidade de falar a verdade, esse tipo de líder foi substituído pelos que são capazes de oferecer avassaladoras promessas, tentadoras e irrealizáveis.

Lamentavelmente, porém, o êxito deles decorre de uma dura realidade. As promessas que fazem encontram eco e terreno fértil nos sentimentos de ganância e esperteza de boa parte do eleitorado.

Todo mundo sabe que ninguém cai em conto-do-vigário por inocência... Todos nós conhecemos muitos desses episódios. A esperteza do malandro só dá certo porque conta com a ganância do otário...

Temos um exemplo dramático no terremoto bancário que está abalando a economia americana, a mais poderosa do mundo. A explicação é dramática: deram-se mal os gananciosos de ambos os lados. Vendedores e clientes.

Este catastrófico episódio nos convida, desde já, a uma reflexão sobre o que está acontecendo nestes dias, pelo mundo afora. E, também, a uma tomada de posição firme, para fazer frente às dificuldades que, certamente, chegarão até nós.

Só espíritos acanhados e muito despreparados podem supor que nós vamos passar por esta tormenta sem sofrimentos e sustos. Os tempos serão difíceis.

Os prefeitos que acabam de se eleger, e os que ainda vão disputar o segundo turno, devem se preparar, com competência e decisão, para governar seus municípios com veracidade, com correção, sem mentiras e sem falsas promessas.

A mentira tem perna curta. Mente na segunda-feira e derrapa na quarta. A promessa falsa acarreta prejuízos. Promete na terça e paga o pato na quinta. A ganância gera a miséria. Ganha muito dinheiro na quarta e na sexta está falido.

O crédito, tanto em política quanto em economia, exige o exercício da verdade. Popularidade é uma coisa. Credibilidade é outra. O falso líder é como biruta de aeroporto. Dá uma informação aqui, outra ali. Muda de opinião ao sabor dos ventos. Não merece crédito.

Infelizmente, o sistema eleitoral adotado por nós favorece o aparecimento desses farsantes, sem objetivos programáticos, em sua maioria, e especializados em ocupar máquinas administrativas. Não são líderes de verdade. São chefes populistas. Não buscam crédito. Querem popularidade...

Enquanto, pois, aqui, no Brasil, a popularidade continuar sendo muito mais importante do que a credibilidade, teremos de agüentar as incompetências, as travessuras financeiras, as iniciativas alopradas, os shows dos chefes altamente populares e a docilidade das manadas!

Alguma luz no fim do túnel? Não sei. Tenho medo.

É capaz de ser um trem na contramão...

Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda, fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco E-mail: sandra_c@ig.com.br

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