Michel Bôle-Richard
Em Cidade de Acre (Israel)
Nos últimos quatro dias, a tensão passou a dominar em Cidade do Acre, também chamada de Akko ou São João do Acre, uma cidade portuária da Galiléia dotada de uma fortaleza, fundada no século 13 pelos cruzados, situada no extremo noroeste de Israel, e que é parte do patrimônio mundial da Unesco. A coexistência pacífica que nela reinava entre as comunidades judaica e árabe está abalada. Setecentos policiais e guardas de fronteira começaram a ocupar posições nos pontos críticos da cidade, na tentativa de evitar novos surtos de violência. A entrada principal, aquela da cidade antiga, além das portas da sua fortaleza vêm sendo vigiadas pela forças da ordem. Barragens de controle foram instaladas em todas as encruzilhadas estratégicas.
Durante os conflitos, cerca de cinqüenta pessoas foram presas. A calma aparente ainda permanece muito precária. Os turistas fugiram e os restaurantes estão vazios. Na área de Bem Ami, a principal rua comerciante, as vitrines destruídas estão sendo consertadas. Em meio a uma grande preocupação, a Cidade do Acre está se preparando para a festa do Soukkot (a Festa das Cabanas) que terá início na terça-feira, 14 de outubro. Será que os enfrentamentos irão recomeçar?
Tudo começou às vésperas de outra festa, a do Yom Kippur (Grande Perdão), durante a noite de 8 a 9 de outubro. No decorrer desta celebração judaica, a circulação dos automóveis sempre permanece proibida. Um homem árabe, de cerca de 50 anos, que infringiu a lei ao desafiar esta regra religiosa amplamente respeitada foi perseguido e responsabilizado por jovens judeus que consideraram que se tratava de uma provocação. O seu veículo foi apedrejado. Até este confronto, os judeus e os árabes conviviam lado a lado nos mesmos bairros, sem que houvesse qualquer atrito. Contudo, ao longo dos últimos anos, a chegada de uma nova população de judeus, constituída essencialmente por religiosos (dos quais alguns seriam antigos colonos da Cisjordânia, e até mesmo de Gaza), foi modificando aos pouco este entendimento cordial.
O incidente ocorrido durante o Yom Kippur degenerou quando correu o rumor segundo o qual um árabe tinha sido morto. Centenas de jovens árabes enfurecidos se dirigiram então até o centro da cidade. Inicialmente, a polícia não percebeu a dimensão do motim, que foi se intensificando. Rapidamente, mais de uma centena de carros estacionados na Rua Yosef Gadish foi vandalizada pelos amotinados, que gritavam "Allah akbar" ("Alá é grande") e "morte aos judeus".
Gisèle Osiel, uma turista, experimentou o maior medo da sua vida. "Todos eles corriam com o rosto mascarado, segurando facas e pedras; a certa altura tive o pensamento de que eles iam matar todos nós". A multidão prosseguiu sua expedição vingadora na Rua Ben Ami, destruindo as vitrines. Siwan, uma jovem balconista de uma loja de vestuário, não compreende o porquê de toda essa explosão de ódio, uma vez que nesta cidade de 52 mil habitantes, dos quais um terço é árabe, os incidentes entre as comunidades até então eram muito raros. "Atualmente", acrescenta, "a situação pode degenerar a qualquer momento. As pessoas mal se cumprimentam. Não raro elas se agridem, proferindo insultos. Além disso, este helicóptero que não pára de girar acima das nossas cabeças em nada contribui para diminuir a tensão".
Shimon Lankri, o prefeito, tomou a decisão de cancelar o festival de teatro que deveria ter início nesta semana. A sua atitude teve por efeito de irritar os comerciantes árabes da cidade antiga, para os quais a afluência de visitantes nesta ocasião constitui uma importante fonte de recursos. A proximidade das eleições municipais, que estão agendadas para o dia 11 de novembro, exacerba igualmente as tensões. A Cidade de Acre, uma tranqüila fortaleza portuária que as tropas de Napoleão Bonaparte não conseguiram conquistar (em 1799), está abalada pela ameaça de um conflito entre as comunidades.
Conforme sublinha Claude Lévy, um conselheiro do prefeito: "Não era possível permitir tais excessos de fúria sem reagir. Uma fronteira foi transposta. O prefeito exigiu que se mostrasse firmeza, de modo a evitar atos ainda mais violentos numa próxima vez". Ehoud Olmert, o primeiro-ministro demissionário que está administrando os assuntos do dia-a-dia até ser substituído, pediu à polícia para dar mostras de "tolerância zero em relação aos atos de violência" e fez um apelo para que seja observado um "respeito mútuo". O chefe do Estado, Shimon Peres, estava sendo aguardado na cidade, na segunda-feira (13), para tentar "acalmar os ânimos".
Mas, a ruptura foi consumada. E a tarefa de consertar o que ainda pode sê-lo será muito demorada. Na região leste da cidade, no bairro Número Três, importantes forças de polícia estão a postos nos setores mais sensíveis. Depois das arruaças perpetradas por árabes no centro da cidade, alguns grupos de judeus começaram a agredir seus vizinhos, gritando "morte aos árabes". Várias residências foram incendiadas, enquanto outras foram apedrejadas.
Várias famílias árabes foram evacuadas das áreas de conflito pela polícia, pois muitos dos seus membros temiam ser vítimas de represálias. A família Barghouti, que mora na esquina da Rua Hayot Zrim, recusa-se a abandonar sua casa por temer que ela seja vandalizada e depois incendiada. Os vidros das janelas já foram quebrados. Os sofás foram utilizados como escudos de proteção contra as pedras. Nos últimos quatro dias, os membros da família Barghouti permaneceram trancados e dizem estar torcendo para que a razão acabe sobrepujando o apetite de vingança. "Há mais de vinte anos que nós moramos nesta casa, e nunca tivemos qualquer problema com os nossos vizinhos", deplora Khaled, o filho de 25 anos. "Atualmente, eles querem que os árabes se retirem daqui, mas esta cidade é de todo mundo, e eu espero que nós possamos viver novamente juntos, e em paz".
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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RESPOSTA
vazccosta@hotmail.com
Em Cidade de Acre (Israel)
Nos últimos quatro dias, a tensão passou a dominar em Cidade do Acre, também chamada de Akko ou São João do Acre, uma cidade portuária da Galiléia dotada de uma fortaleza, fundada no século 13 pelos cruzados, situada no extremo noroeste de Israel, e que é parte do patrimônio mundial da Unesco. A coexistência pacífica que nela reinava entre as comunidades judaica e árabe está abalada. Setecentos policiais e guardas de fronteira começaram a ocupar posições nos pontos críticos da cidade, na tentativa de evitar novos surtos de violência. A entrada principal, aquela da cidade antiga, além das portas da sua fortaleza vêm sendo vigiadas pela forças da ordem. Barragens de controle foram instaladas em todas as encruzilhadas estratégicas.
Durante os conflitos, cerca de cinqüenta pessoas foram presas. A calma aparente ainda permanece muito precária. Os turistas fugiram e os restaurantes estão vazios. Na área de Bem Ami, a principal rua comerciante, as vitrines destruídas estão sendo consertadas. Em meio a uma grande preocupação, a Cidade do Acre está se preparando para a festa do Soukkot (a Festa das Cabanas) que terá início na terça-feira, 14 de outubro. Será que os enfrentamentos irão recomeçar?
Tudo começou às vésperas de outra festa, a do Yom Kippur (Grande Perdão), durante a noite de 8 a 9 de outubro. No decorrer desta celebração judaica, a circulação dos automóveis sempre permanece proibida. Um homem árabe, de cerca de 50 anos, que infringiu a lei ao desafiar esta regra religiosa amplamente respeitada foi perseguido e responsabilizado por jovens judeus que consideraram que se tratava de uma provocação. O seu veículo foi apedrejado. Até este confronto, os judeus e os árabes conviviam lado a lado nos mesmos bairros, sem que houvesse qualquer atrito. Contudo, ao longo dos últimos anos, a chegada de uma nova população de judeus, constituída essencialmente por religiosos (dos quais alguns seriam antigos colonos da Cisjordânia, e até mesmo de Gaza), foi modificando aos pouco este entendimento cordial.
O incidente ocorrido durante o Yom Kippur degenerou quando correu o rumor segundo o qual um árabe tinha sido morto. Centenas de jovens árabes enfurecidos se dirigiram então até o centro da cidade. Inicialmente, a polícia não percebeu a dimensão do motim, que foi se intensificando. Rapidamente, mais de uma centena de carros estacionados na Rua Yosef Gadish foi vandalizada pelos amotinados, que gritavam "Allah akbar" ("Alá é grande") e "morte aos judeus".
Gisèle Osiel, uma turista, experimentou o maior medo da sua vida. "Todos eles corriam com o rosto mascarado, segurando facas e pedras; a certa altura tive o pensamento de que eles iam matar todos nós". A multidão prosseguiu sua expedição vingadora na Rua Ben Ami, destruindo as vitrines. Siwan, uma jovem balconista de uma loja de vestuário, não compreende o porquê de toda essa explosão de ódio, uma vez que nesta cidade de 52 mil habitantes, dos quais um terço é árabe, os incidentes entre as comunidades até então eram muito raros. "Atualmente", acrescenta, "a situação pode degenerar a qualquer momento. As pessoas mal se cumprimentam. Não raro elas se agridem, proferindo insultos. Além disso, este helicóptero que não pára de girar acima das nossas cabeças em nada contribui para diminuir a tensão".
Shimon Lankri, o prefeito, tomou a decisão de cancelar o festival de teatro que deveria ter início nesta semana. A sua atitude teve por efeito de irritar os comerciantes árabes da cidade antiga, para os quais a afluência de visitantes nesta ocasião constitui uma importante fonte de recursos. A proximidade das eleições municipais, que estão agendadas para o dia 11 de novembro, exacerba igualmente as tensões. A Cidade de Acre, uma tranqüila fortaleza portuária que as tropas de Napoleão Bonaparte não conseguiram conquistar (em 1799), está abalada pela ameaça de um conflito entre as comunidades.
Conforme sublinha Claude Lévy, um conselheiro do prefeito: "Não era possível permitir tais excessos de fúria sem reagir. Uma fronteira foi transposta. O prefeito exigiu que se mostrasse firmeza, de modo a evitar atos ainda mais violentos numa próxima vez". Ehoud Olmert, o primeiro-ministro demissionário que está administrando os assuntos do dia-a-dia até ser substituído, pediu à polícia para dar mostras de "tolerância zero em relação aos atos de violência" e fez um apelo para que seja observado um "respeito mútuo". O chefe do Estado, Shimon Peres, estava sendo aguardado na cidade, na segunda-feira (13), para tentar "acalmar os ânimos".
Mas, a ruptura foi consumada. E a tarefa de consertar o que ainda pode sê-lo será muito demorada. Na região leste da cidade, no bairro Número Três, importantes forças de polícia estão a postos nos setores mais sensíveis. Depois das arruaças perpetradas por árabes no centro da cidade, alguns grupos de judeus começaram a agredir seus vizinhos, gritando "morte aos árabes". Várias residências foram incendiadas, enquanto outras foram apedrejadas.
Várias famílias árabes foram evacuadas das áreas de conflito pela polícia, pois muitos dos seus membros temiam ser vítimas de represálias. A família Barghouti, que mora na esquina da Rua Hayot Zrim, recusa-se a abandonar sua casa por temer que ela seja vandalizada e depois incendiada. Os vidros das janelas já foram quebrados. Os sofás foram utilizados como escudos de proteção contra as pedras. Nos últimos quatro dias, os membros da família Barghouti permaneceram trancados e dizem estar torcendo para que a razão acabe sobrepujando o apetite de vingança. "Há mais de vinte anos que nós moramos nesta casa, e nunca tivemos qualquer problema com os nossos vizinhos", deplora Khaled, o filho de 25 anos. "Atualmente, eles querem que os árabes se retirem daqui, mas esta cidade é de todo mundo, e eu espero que nós possamos viver novamente juntos, e em paz".
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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vazccosta@hotmail.com