Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 14, 2008

A educação e a crise financeira José Pastore*

A depressão americana foi um tempo de grandes devastações. Os estragos do crash do dia 24 de outubro de 1929 duraram mais de dez anos.

No início da crise (1929-32), os EUA perderam um terço do seu PIB. Os lucros das empresas reduziram-se a 25% do que eram. Os salários perderam 42% do poder aquisitivo. A renda dos agricultores caiu 68%. Foi um desastre colossal.

Em 1933, 25% da força de trabalho estava totalmente desempregada. Entre os empregados, o número de horas trabalhadas encolheu. O tempo parcial explodiu (John K. Galbraith, The Great Crash, 1954).

O que aconteceu com a educação no meio de tanto tumulto?

Nesse campo, os EUA executaram uma verdadeira operação de guerra, conseguindo ironicamente elevar o nível educacional da população.

As dificuldades foram contornadas e superadas, uma a uma. Entre 1929-32, os salários dos professores sofreram um corte de 14% em termos reais. Houve muitas dispensas. Os diretores entraram em seu lugar passando a dar aulas que, em muitos casos, melhoraram de qualidade.

Além disso, as escolas aumentaram o tamanho das classes e ampliaram o número de dias letivos. O número de crianças matriculadas na escola primária aumentou. O mesmo ocorreu com os adolescentes do ensino médio. Por falta de oportunidades de trabalho, muitos prolongaram a sua estada na escola. Alunos e professores tiveram menos férias. Ninguém perdeu tempo enquanto o país estava quase parado.

Um outro fato interessante: numa quadra em que todas as despesas públicas foram drasticamente cortadas, o governo aumentou as verbas para as bibliotecas. Grandes acervos passaram a atender os milhares de desempregados que lotavam as bibliotecas, transformando o ócio em aprendizagem. Criaram-se as bibliotecas itinerantes. A capilarização do conhecimento foi enorme. Em suma, o tempo foi muito bem usado (David Tyack e outros, Public Schools in Hard Times, 1984).

Com esses remanejamentos e com uma forte dose de sacrifício, o desempenho das escolas americanas se manteve em nível bastante razoável e o capital humano reteve e até melhorou de qualidade. Foram essas engenhosas providências no campo da educação que viabilizaram o New Deal (1930-39) que precisou de gente motivada e preparada para o trabalho.

A Europa e o Japão no pós-guerra também são exemplos de sucesso em matéria de recuperação acelerada. As guerras não destruíram as idéias. Nos dois casos, a manutenção das escolas funcionando garantiu uma força de trabalho de boa qualidade. Os parlamentares americanos demoraram muito para aprovar o Plano Marshall porque queriam ter certeza de que os países da Europa podiam aumentar a produtividade do trabalho em 15% entre 1948 e 1952, o que foi ultrapassado graças aos cuidados que tiveram com a educação.

A manutenção da capacidade para produzir e inovar foi um dos fatores mais importantes na retomada do desenvolvimento daqueles países. A preservação da ética do trabalho foi outro.

O mesmo aconteceu com a Coréia do Sul na década de 90. O colossal imbróglio financeiro em que o país se meteu também abalou o lado real da economia. Mas os 40 anos de bons investimentos em educação valeram muito. A boa qualidade do ensino durante a crise ficou intacta.

Se essa foi a "receita" nas décadas passadas, o que dizer dos dias atuais que passam por uma revolução tecnológica meteórica que exige o domínio de uma imensidão de conhecimentos?

Convém prestar atenção nesses fatos. Os EUA, a Europa e a Ásia não morreram porque mantiveram seu povo educado e pronto para reagir rapidamente na hora da reconstrução. Povos educados são sempre mais agressivos do que povos deseducados. E é com eles que o Brasil terá de competir.

Precisamos evitar que a recessão venha a dilapidar o nosso capital humano que, ademais, está em fase de formação. Temos de investir com mais vigor na melhoria da qualidade do ensino. Se há cortes a fazer nas despesas públicas - e há muitos -, que não seja na área da educação. E mais importante do que manter os recursos é usá-los bem, com especial ênfase na melhoria da qualidade dos professores e diretores. Mais uma coisa: sacrifícios adicionais serão indispensáveis e o corporativismo terá de ser contido.

*José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo
Site: www.josepastore.com.br

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