Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 16, 2008

Crise, Lula e outros especuladores Roberto Macedo

Foi na terça-feira que sinais de melhoria da crise financeira internacional vieram com este jornal, pois no dia anterior houve reação favorável às medidas anunciadas por países ricos, no fim de semana.

Em particular, as principais bolsas reagiram bem, a indicar confiança nessas decisões. Até o caderno de Esportes veio nesse tom com sua manchete principal: Cotação de Dunga volta a subir. Só não subiu a do Rubinho, mas, admirador de seu esforço e de sua persistência, continuarei seguindo suas ações nos GPs.

Ainda que atenuado, o quadro é o de uma economia que teve até convulsões, com sintomas de paralisia no seu lado financeiro. No tratamento, autoridades governamentais e monetárias de vários países prescreveram os remédios de que dispõem nas prateleiras e nos manuais. São adequados, apesar de mesmo quem receitou ter dúvidas quanto à dosagem.

Aliás, ontem, ao concluirmos este artigo, várias bolsas caíam novamente, com mercados financeiros achando a dosagem insuficiente e temendo efeitos recessivos da crise. É preciso cautela, pois apreciaram as mamadeiras que receberam, e querem mais. Seria também fácil dizer que elas deveriam ter vindo antes, mas isso não vale se então não foi dito. Agora, como dizem os médicos, é preciso aguardar a reação do paciente a um tratamento apenas no seu início.

O desafio é mais forte pela ausência de crise como esta no passado, e comparações com a de 1929 são simplistas. A escala do problema é agora imensamente maior e a difusão de derivativos, de "seguros" financeiros e de fundos de "proteção" adensa sua complexidade. As aspas cabem porque até seguradoras se tornaram inseguras e, para muitos, a proteção se revelou miragem.

No Brasil, as medidas foram semelhantes às do noticiário internacional, mas com amplitude e densidade bem menores, dadas as melhores condições do nosso sistema financeiro. O socorro pelo Banco Central (BC) ficou principalmente nas esferas clássicas do redesconto e dos depósitos compulsórios.

Houve, contudo, duas exceções importantes. Primeiro, é necessário lidar com a forte desvalorização do real, um problema que esteve sumido do palco, mas voltou a mostrar sua cara. A segunda foi ao não fazer, pois o Brasil não seguiu a redução da taxa básica de juros, adotada por um conjunto de bancos centrais que inclui os mais importantes do mundo. Entretanto, as condições atuais da inflação, aliviada pela queda dos preços das commodities, e com perspectivas de alívio também pelo efeito negativo da crise sobre o crédito, o investimento e o consumo, não justificam o aumento que o mercado financeiro ainda previa na sexta-feira passada, influenciado pela dureza das atas das últimas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), do BC. O bom senso indica que na próxima cabe pelo menos uma pausa para meditação.

Enquanto isso, bem longe, na Índia - o que serve também de desculpa para não entrar nas divididas dos jogos dos times de sua incongruente base política -, o presidente Lula voltou a atacar a ganância dos especuladores de Wall Street como a responsável pela crise. Ora, é outra avaliação simplista. A situação é muito complexa para ser atribuída apenas a um ou outro fator. Suas condicionantes foram se formando paulatinamente, num processo alimentado pela forte expansão do crédito a juros baixos, avanços tecnológicos e dos países emergentes, maior liberação do comércio, desregulamentação de mercados e a euforia que embaçou a visão de seus operadores e de quem deveria ter apertado as regras do jogo financeiro.

Assim, ousadas práticas de especuladores detonaram uma crise latente. E nosso presidente deve saber que a especulação, no sentido de buscar ganhos e vantagens presentes e futuras, também move os mercados, inclusive o político. Mas talvez não perceba que seu próprio capital político foi turbinado pela especulação em escala mundial. Aqui, via maior demanda e maiores preços de commodities, ela turbinou a taxa de crescimento do nosso PIB, positivamente correlacionada com a de variação do capital político lulista, como nos mercados medido também por um índice, o de popularidade. Foi esse crescimento do PIB que, entre outros efeitos, gerou mais empregos e maior renda, e alimentou a arrecadação federal, que permitiu mais bolsas para famílias, verbas para arregimentar base política e sinecuras mil para apoiadores.

Internamente, Lula também buscou fortes ganhos - a tal ganância -, em situações de risco, o que marca o sentido mais específico que dá à ação de especuladores. Ou não há esse sentido no oba-oba do pré-sal, na candidatura à hospedagem da Olimpíada, no exagero do significado do PAC e na pregação do etanol e em outras apostas que também contribuíram para levar ao alto o seu capital político?

Assim, Lula também pode ser visto como um especulador e beneficiário da especulação alheia. Bem faria se pusesse as barbas de molho, pois o futuro se tornou ainda mais incerto. Os riscos de suas apostas aumentaram, como claramente os do pré-sal com a queda dos preços do petróleo e dificuldades para financiar o recebimento do tão especulado "bilhete premiado".

O mais imediato é o de uma queda mais acentuada da taxa de crescimento do PIB - que, sinceramente, não desejo -, a qual pode levar seus dois últimos anos de mandato a um cenário ainda não considerado em suas especulações. Com a crise, desde já esse capital estará sujeito ao ataque especulativo de adversários políticos e mostra um ponto particularmente vulnerável, pois na gestão das finanças governamentais Lula foi mais a cigarra do que a formiga da conhecida fábula, sem provisões adequadas para um inverno econômico mais rigoroso.

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