Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 01, 2008

Chega de bodes expiatórios Stephen S. Roach *

Em meus 35 anos como economista profissional, já enfrentei cinco recessões e cerca de uma dúzia de crises financeiras. Mas nunca uma delas chegou tão perto de casa. Isso torna a experiência pessoal, o que traz um risco adicional de colorir o julgamento do analista calculista e frio que gosto de pensar que sou. Mas aí vai uma tentativa de qualquer modo.

Apesar de vivermos uma crise de crédito há mais de 14 meses, não pode haver engano sobre os sinais reveladores da fase de pânico dessa crise que se tornaram evidentes pela primeira vez na semana passada. Estamos em meio ao que o acadêmico Charles Kindleberger chamou de "estágio de repulsa" de uma crise - as vendas indiscriminadas e contagiosas de ativos problemáticos que faz os "bancos pararem de emprestar com a garantia desses ativos".

Quando esse medo toma conta dos mercados, os investidores (e especuladores) são rápidos em generalizar, punindo muitos pelos pecados de poucos. Essa é a fase mais perigosa de qualquer crise - quando implosões no mercado começam a adquirir uma vida própria que se auto-alimenta.

O mais importante nos pânicos financeiros é que eles são todos temporários. Ou eles morrem de exaustão, ou são barrados pela artilharia pesada de políticas governamentais. Isso coloca a questão mais importante de todas: O que dará fim a esse pânico? Kindleberger, de novo, coloca isso claramente. Ele argumenta que os pânicos financeiros tendem a se realimentar até que uma ou mais de três coisas aconteçam: 1) os preços desçam a profundezas que tragam os investidores de volta aos ativos problemáticos; 2) as bolsas sejam fechadas; ou 3) os bancos centrais entrem em ação. Neste momento, o progresso não é animador em nenhuma delas.

Isso é especialmente verdadeiro para a muito esperada resposta da política fiscal - a Lei de Estabilização Econômica de Emergência de 2008 - rejeitada na Câmara de Representantes dos EUA na segunda-feira. Com os mercados financeiros derretendo após a politização da crise pelo Congresso, tenho uma suspeita de que os políticos americanos agora mudarão rapidamente seus pensamentos e votarão para aprovar esse plano nos próximos dias. E isso quase certamente beneficiará as partes menos líquidas de mercados de crédito cada vez mais disfuncionais.

Infelizmente, a solução do Congresso é falha em vários aspectos decisivos, em especial sobre o alcance do pacote. O Plano Paulson original foi estabelecido em US$ 700 bilhões. Mas a versão do Congresso propôs um pagamento inicial de apenas US$ 250 bilhões e ofereceu o restante em duas parcelas separadas - uma vinculada à aprovação presidencial e a outra dependente de uma nova autorização do Congresso.

Em tempos de crise e de pânico, a resposta política deve errar pelo lado do excesso. Essa abordagem erra pelo lado da falta. Além do mais, uma resposta política também deve ser inconfundivelmente direta em seu foco para conter mercados desorientados. O Plano Paulson original de três páginas e meia era precisamente isso. Certo, ele tinha falhas, mas era inconfundivelmente claro em mirar com firmeza os mercados disfuncionais de crédito e hipoteca.

O Congresso respondeu com uma peça de legislação de 100 páginas, completa com dispositivos adicionais sobre garantias de capital para instituições participantes, restrições à remuneração de executivos, um esquema de seguro suplementar e quatro novas funções de supervisão burocráticas. Isso dilui o ímpeto da resposta política e abranda seu impacto na aflição do mercado.

Com o pacote fiscal ficando aquém de necessário, o ônus de um ajuste provavelmente recairá agora fortemente na política monetária. Em tempos de crise extrema, o banco central precisa fazer uma declaração forte e inequívoca de que está preparado para fazer tudo ao seu alcance como um emprestador em último recurso.

Especificamente, eu acho que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) precisa tomar emprestada uma página do script de Greenspan para o crash de 1987 e enviar uma mensagem simples e direta de apoio ilimitado à liquidez de mercados em crise. Ao mesmo tempo, ele devia tomar uma forte medida simbólica cortando imediatamente sua taxa referencial em 50 pontos básicos para que os mercados saibam que ele leva esse assunto muito a sério. E o Fed devia convocar outros bancos centrais importantes para se unirem numa rara ação política coordenada.

Estou convencido de que uma resposta de política monetária tão poderosa, ante a resposta fiscal menos que ótima, faria muito para conter a loucura que está tomando conta dos mercados financeiros.

Essas ações também fariam muito para amenizar os danos colaterais que estão sendo infligidos aos Estados Unidos e à economia global como um todo. O presidente do Fed, Ben Bernanke, é um renomado especialista na Grande Depressão. Ele sabe melhor que ninguém que a lição mais importante daquele período foi uma série de grandes asneiras políticas do banco central do país. Esse conhecimento precisa ser colocado agora em ação.

O Fed de hoje não é um espectador inocente dessa confusão, especialmente à luz do papel que jogou em perdoar os excesso da última década. Estará ele condenado a permanecer nesse curso, e de repetir os erros dos anos 1930? Minha aposta é um retumbante "não". Mas já é tempo de Bernanke dissipar qualquer dúvida de uma vez por todas. E é mais do que tempo de o Congresso deixar de lado a política de encontrar bodes expiatórios e seguir em frente no pesado encargo de conter a crise. A alternativa é simplesmente inaceitável.

*Stephen S. Roach é presidente das operações da Ásia do Morgan Stanley e escreveu este artigo para o The International Herald Tribune

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