Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 20, 2007

FERNANDO GABEIRA

Problemas e campanhas
DOS TEMAS que interessam ao Brasil, três deles me estimulam a escrever esta semana. Um deles é o debate sobre violência urbana, impulsionado pelo filme "Tropa de Elite". O outro é o temor das pessoas que dependem de direitos autorais, nesta época de grandes mutações tecnológicas. O terceiro é a declarada epidemia de dengue que atinge o país.
Num espaço tão curto, a fórmula ideal para tratá-los seria a técnica de carretel de John dos Passos, imitada por Sartre em sua trilogia "Caminhos da Liberdade". Frases independentes entre si, do tipo: enquanto mosquito de dengue atacava em Mato Grosso do Sul, os tiroteios nas favelas do Rio matavam 11 pessoas e Madonna decidia abandonar a gravadora.
Busco outro caminho. Achar um traço comum nesses três temas, algo que possa realmente representar um vínculo. Os direitos autorais não serão preservados com campanhas de fundo moral contra a pirataria. Eles dependem muito do próprio avanço tecnológico, e o Google deu um passo, protegendo os filmes no YouTube.
Depois do filme "Tropa de Elite", há uma grande carga contra usuários de droga. Eles seriam os culpados da violência urbana, sócios dos traficantes. A partir do próprio filme, surgiu a figura do estudante da PUC que lê filósofos franceses. Nos EUA, universitários leram os franceses, embora tenha sido moda passageira. Também fumam seu baseado. No entanto a tática americana é a de prender; as cadeias estão superlotadas de acusados de uso de droga.
Há um certo ressentimento social, já presente no livro "Elite da Tropa", contra o playboy responsável por tudo isso, na visão do soldado da PM. É da mesma natureza do ressentimento contra os que usam Rolex e reclamam por serem roubados. Com a diferença essencial: os roubados estão dentro da lei, os fumantes contra ela.
A suposição de que as campanhas de fundo moral resolvem subestima a capacidade de um trabalho de inteligência policial e dos grandes avanços tecnológicos.
No caso da dengue, instalada a crise, surgem também as campanhas definindo a responsabilidade de cada um. Se todos se moverem, dizem os anúncios, o mosquito será derrotado. O índice de mortalidade no Brasil está sendo muito alto. Falta competência para o diagnóstico rápido. Falta governo. E um pouco de espaço para mostrar que até a liberdade de usar o próprio corpo depende do avanço do Estado para garanti-la. Reforma da polícia, proteção tecnológica ao autor e eficácia na saúde não eliminam campanhas. Mas podem iluminá-las.

Arquivo do blog