Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 13, 2007

FERNANDO GABEIRA

Uma semana emergente


NA NATAÇÃO, voltei ao pé de pato para reforçar a batida de perna. Por acréscimo, senti melhoras na flutuação. Interrompi um livro que descreve alguns lances da história moderna da Índia para escrever uma resenha sobre o livro de Jack Lang: "Mandela, uma Lição de Vida". E como estava fazendo tudo isso nos intervalos das peripécias brasileiras, posso concluir que foi uma semana emergente.
Em "Tentações do Ocidente" (Picador), de Pankaj Mishra, o foco se concentra na Caxemira, mas vemos como a história moderna da Índia estimula a comparação com o Brasil. A democracia lá passou por provas mais duras, por causa dos conflitos religiosos envolvendo hindus, muçulmanos e sikhs.
Mas a trajetória do partido de Nehru, tendo de conviver com políticos corruptos e buscando em alguns momentos uma obediência desqualificada nas suas bases, poderia até sugerir uma comparação com a trajetória da esquerda brasileira. E Bolywood, a poderosa indústria do cinema, não em relação à nossa frágil cinematografia, mas com a fábrica de novelas da Globo.
O livro de Mandela, que leio ao sabor das obstruções e discursos repetitivos (estou aqui há 13 anos), desperta alguma nostalgia da gravidade dos problemas do passado: luta armada ou pacífica? Como se comportar na prisão? A que momento se deve interromper uma greve?
Os temas ficaram mais prosaicos. Há um grande movimento na banca diante do Congresso. É a revista com Mônica Veloso nua. E sinto que, apesar da vulgaridade, nossa democracia acabou sendo a mais tolerante, no sentido político, mas também sexual. Bolywood, com música e emoção, tem os seus limites ao se endereçar a imensas massas rurais na Índia.
E Nelson Mandela teve de lutar já fora do poder para convencer seus sucessores sobre a importância do combate à Aids. Com o novo pé de pato, sinto-me um verdadeiro emergente, pronto para pensar semelhanças e diferenças.
No prefácio do livro de Lang, Nadine Gordimer lembra um personagem que diz ser assombroso viver num país que precisa de heróis. Aqui já não precisamos.
Índia e África do Sul têm uma experiência em comum na luta contra o apartheid. Antes de liderar seu povo, Ghandi viveu na África do Sul. E os debates entre hindus e sul-africanos sobre a tática eram muito mais elevados que as questões de ordem de agora.
O avanço democrático é também o avanço do tédio? Política e masturbação uniram-se para sempre? Tudo continua assombroso.

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