Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 22, 2007

Poderosos e perplexos

JANIO DE FREITAS


A mal preparada fala do presidente não passou mais do que a imagem de uma capitulação remendada

JÁ HOUVE várias outras, mas a demonstração de fragilidade dada pelo governo, desde o desastre de Congonhas, tem dimensão e sentido muito especiais. As ocasiões precedentes foram criadas por fatos políticos, e se o dispositivo presidencial e seu governo perderam-se na fraqueza e na inabilidade, eles mesmos pagaram por isso. A situação agora não seria política, não fosse o acréscimo que a Presidência lhe permitiu nesse sentido, e muito menos com efeitos políticos que ultrapassam o âmbito governamental.
Entre o desastre na tarde de terça-feira e o pronunciamento de Lula na noite de sexta-feira, passaram-se horas correspondentes a mais de três dias. Até um terçol e a rouxidão na pálpebra foram invocados para explicar a omissão do presidente, e também de seus auxiliares imediatos, na comoção que tomou o país todo. E, quando enfim apareceu, foi para relatar providências que já eram notícia velha, péssima aparição com ares de concessão irritada como se a impertinência fosse dos cidadãos abalados.
Só quem convive com essa anormalidade, dentro dos palácios, pode saber como é produzida. Mas tem sua parte na co-autoria, e nada percebe ou não dirá o que percebe. O mesmo para os que freqüentam os palácios sem integrá-los, mas só os freqüentam porque bem aceitos na orientação, quando não no serviço, do que digam cá fora. As evidências, porém, saem até pelas frestas.
É muito perceptível a mistura venenosa de presunção e insegurança. Não é só de Lula, é de todos os que o circundam, o sentimento obtuso do "nunca neste país". Com tamanho excesso de confiança, todas as decisões e atitudes serão de inteligência superior, só questionáveis por má-fé. Mas a outra face dessa auto-suficiência gloriosa é a insegurança aturdida quando o questionamento, venha de visão alheia ou de fatos, surpreende e impõe-se à presunção.
A falta de presença imediata do presidente e do governo diante da população em choque, com agravantes trazidos pela chamada crise aérea, convidou a uma ofensiva descontrolada da comoção que invadiu TV, jornais, rádios, a rua, a casa, cada qual com o berro de sua acusação ao governo. É a própria situação que Lula não deve proporcionar, porque o fato de seu governo privilegiar a satisfação das classes altas não o torna, como supõe, mais imune à hostilidade desse poder social, econômico e comunicatório.
De inertes, Lula e o comando do governo passaram a acuados. A mal preparada fala presidencial não passou mais do que a imagem de uma capitulação remendada - e foi isso mesmo. Com a progressão das reações emocionais, não só a racionalidade tão necessária foi-se toda, não só o jornalismo recuou décadas ao reencontro até de editoriais como manchetes. Criou-se um ambiente muito mais propício à expansão das insatisfações com o governo e de cobranças mais ácidas. Para as quais o governo não está preparado, por falta de qualidade do seu nível ministerial, feito de transações politiqueiras, e por carência absoluta de sofisticação política no círculo presidencial.
O governo expôs tanto a sua fragilidade que, daqui para a frente, entra em uma situação que lhe é desconhecida.

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