Se o PMDB e o PT levarem adiante o plano de transferir ao Supremo Tribunal Federal o exame do processo contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, darão com os respectivos narizes à porta.
No tribunal prevalece o entendimento já manifestado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza: quebra de decoro parlamentar cabe exclusivamente ao Parlamento examinar. É um caso típico de assunto “interna corporis” com o qual o STF não quer, nem pode segundo a lei, se envolver.
Há, explica um ministro do Supremo, quatro tipos de processos: político, administrativo, cível e criminal. Por enquanto, o caso Calheiros pertence única e tão somente ao universo da ação político-parlamentar.
A menos, é claro, que o Ministério Público, por intermédio do procurador-geral, reúna elementos suficientes para oferecer denúncia no campo criminal. Aí, sim, o STF poderá se manifestar.
Um processo dessa natureza, no caso em questão, se justificaria se o procurador viesse a considerar que houve mesmo adulteração nos documentos apresentados por Calheiros em sua defesa e contestados por uma reportagem da TV Globo, cujas suspeitas, em princípio, foram confirmadas por uma perícia preliminar na Polícia Federal.
Outro caminho que levaria o presidente do Senado a ser alvo de processo criminal seria o da percepção de vantagem indevida, previsto na Constituição como pressuposto de quebra de decoro, mas também enquadrado na lei como crime de corrupção. Para tanto, porém, seriam necessários indícios consistentes de que Renan Calheiros recebeu mesmo dinheiro do lobista ou da empreiteira Mendes Júnior para pagar a pensão da filha.
Como não houve até então investigações, a não ser por parte da imprensa, não se produziram provas nem contra nem a favor no quesito corrupção. Há suspeitas e, por isso, foi instaurado o procedimento de averiguação no Senado.
De acordo com esse mesmo ministro, o autor da idéia de transferir o processo na fase atual ao Supremo - o senador José Sarney - e seus pares que abraçaram a tese sabem da ausência de base legal para levar a termo o plano, mas procuram ganhar tempo, criar fatos paralelos e desviar os focos.
Mas, por ora, no tribunal não se enxerga a existência do instrumento legal a ser invocado para remeter para lá o processo. “A não ser que eles queiram enviar uma notícia-crime, o que seria um tiro no pé porque, por enquanto, o presidente do Senado não é alvo de nenhum processo criminal, mas, a partir daí, poderia vir a ser”, explica o magistrado.
Existe, sim, no Supremo, uma compreensão à distância, e não assumida oficialmente, de que o Senado ainda não caiu em si a respeito da confusão em que está envolvido e procura alguma saída recorrendo a atalhos que não levarão a solução alguma.
Se é assim, se o Supremo não pode examinar ações de caráter político e havendo processo criminal a situação do senador Calheiros fica muito mais complicada, por que a idéia de remeter o assunto ao STF?
Surgiu escorada na natureza paquidérmica da Justiça brasileira. A série de reportagens do jornal O Globo sobre impunidade já mostrou porque o STF, tribunal para o julgamento de autoridades de alto escalão, é visto como porto seguro. Dos 137 processos criminais abertos ali nos últimos 40 anos contra deputados, senadores, ministros e presidentes da República, nenhum resultou em condenação.
Portanto, transferir o caso para lá, além de fornecer ao Senado o conforto de uma satisfação formal à opinião pública, ainda daria ao presidente da Casa a esperança de que seu processo ficaria adormecido no mesmo berço onde descansam outras tantas ações contra os donos da prerrogativa do foro privilegiado.
Receita
No discurso inaugural feito logo ao assumir o mandato de senador, Jarbas Vasconcelos falou longa e detalhadamente sobre o papel da oposição. Ali tratava das relações políticas com o governo Lula que, de forma direta, não estão em jogo na atual crise enfrentada pelo Senado.
Mas, em determinado trecho, o senador pernambucano deu uma receita que, se os senadores quisessem realmente sair do beco criado por seus próprios equívocos, poderia servir como roteiro do caminho a seguir: “Coordenar poucos e bons pode trazer os mesmos resultados de comandar muitos. Tudo depende da organização. É necessário flexibilidade na ação política e intransigência quanto aos princípios.”
O Senado, hoje, faz exatamente o contrário: alija os poucos e bons, flexibiliza os princípios e mantém intransigente ação política na defesa do indefensável.
O sucessor
Herdeiro do PT na vanguarda das ações contra malfeitorias na política, o PSOL - fruto de dissidência petista - poderia ser usado como exemplo da norma segundo a qual quem sai aos seus não degenera. Isso, caso a degenerescência não tivesse tomado conta do genitor quando a ele se abriram as portas do poder.
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