Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 15, 2007

DANUZA LEÃO

Nada é em vão


Mas um dia se percebe, com algum sofrimento, que por mais linda que seja a cidade, o coração já não bate tão forte

TODA VIAGEM pode ser a última, por isso todas têm um significado enorme.
Paris está cada vez mais linda: as mulheres e os homens bonitos e elegantes, os lugares cheios, um ar de prosperidade geral que ajuda muito a ser feliz. Os primeiros dias são para desligar; os seguintes, para curtir. Curtir, passear, comer muito bem e beber vinho, numa felicidade de dar gosto.
Mas as coisas não são simples, e depois de um tempo a vida de um turista fica complicada. Existem os que enfrentam filas imensas para ver as exposições, os que compram o Pariscope para saber tudo o que está acontecendo na cidade, e até os que vão aos shows de mulher nua -é, tem de tudo.
Há os que sempre voltam aos museus, mas só os que são especial e profundamente ligados em arte, pois para isso é preciso muita disciplina: afinal, ninguém sai de férias com uma agenda, e bom mesmo é estar numa cidade bonita e conviver com ela com naturalidade e intimidade. E aí, o que se faz o dia inteiro? Compras, claro, mas até isso cansa.
É muito bom acordar sem precisar pular correndo da cama, e passar uma boa hora pensando, muito vagamente, onde almoçar; ou não seria melhor comer um crepe em pé, na rua, como fazia quando era jovem e pobre? E como é verão, tomar sorvete andando pelo cais -ah, é muito bom estar em Paris.
Mas um dia se percebe, com algum sofrimento, que por mais linda que seja a cidade, por mais que os restaurantes ofereçam as melhores opções -de ostras e ouriços ao melhor steak tartare com as melhores fritas do mundo-, o coração já não bate tão forte. As lojas ainda atraem, mas com muito menos intensidade.
Estará blasé ou seria um sinal de depressão? Afinal, não é possível estar em Paris e não ser imensamente feliz, e é terminantemente proibido dizer que se pensa na casa, nos amigos, nos gatos, até no trabalho: ninguém ia acreditar.
Só que nem todos têm o dom do ócio e do lazer, e as manhãs vão ficando cada vez mais longas -na cama- e os telefonemas para casa, mais freqüentes.
Aí um dia ela decide antecipar a volta em dois dias, mas não conta a ninguém, com medo das cobranças. Afinal, como explicar que estava em Paris e não era totalmente feliz?
Volta, e quando vê a baía de Guanabara, sente uma emoção que não sentiu nem uma única vez, no Champs Elisées. E depois de ter vivido num quarto tão charmoso quanto pequeno, acha a casa um verdadeiro palácio.
Passa dois dias pedindo comida dos restaurantes, e acaba saindo para fazer um supermercado básico. E aí, numa esquina, ela entende.
Era uma esquina normal, onde havia uma banquinha de frutas: caixas de cajus, os mais lindos e coloridos cajus, enormes, indo do amarelo ao vermelho numa sutileza e num bom gosto de dar inveja a qualquer pintor de qualquer museu.
Também havia mangas, mangas amarelas e rosadas, frescas e cheirosas, e abacaxis, sendo que um deles aberto, amarelinho, para que o freguês pudesse provar e ver como estavam docinhos.
E pensa uma grande banalidade: que, apesar de tudo, não é em vão que se nasce num país.

danuza.leao@uol.com.br

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