Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, abril 09, 2007

Qual governo, qual oposição?


MARCO ANTONIO VILLA

O governo Lula vive de espasmos políticos, como se governar fosse a cada semana apresentar alguma notícia de impacto

O GOVERNO Lula vive de espasmos políticos: numa semana a atenção está concentrada no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento); na outra, na divulgação do novo ministério; e, em outra, na proposta do plebiscito. Porém tudo se esvai rapidamente. Nenhuma discussão tem continuidade, como se governar fosse a cada semana apresentar alguma notícia de impacto.
O acompanhamento administrativo das tarefas de governo continua relegado a plano secundário.
O presidente prefere discursar nas cerimônias públicas, mesmo naquelas em que sua presença e suas palavras não são necessárias. Mas o microfone exerce uma atração fatal. O presidente precisa falar: é uma forma de se afirmar.
Isso também explica por que a posse dos ministros não é coletiva, mas feita de forma homeopática: é sempre mais uma oportunidade para discursar. E mais: Lula acredita que a palavra substitui a ação. Uma obra ou um programa se realizam simplesmente pelo desejo verbal.
As duas reformas ministeriais que realizou (em 2005 e 2007), se forem somadas, perfazem 10 meses. A de 2005 começou em novembro de 2004 e foi até março do ano seguinte. A atual teve início logo após o segundo turno da eleição presidencial. Mais do que dificuldade para decidir, Lula tem prazer em alongar essas discussões: isso o retira da rotina administrativa, da leitura de relatórios, de estudar alguns dos graves problemas nacionais.
A falta de iniciativa, de ousadia gerencial, transformou a gestão petista numa arqueóloga de alguns êxitos de gestões passadas. Nessa viagem pelo túnel do tempo, Lula já chegou ao governo Geisel: basta recordar o programa Pró-Alcool -agora voltado para a produção em larga escala do etanol- e no incentivo de pesquisas petrolíferas nas áreas mais profundas da plataforma continental -como ocorreu naqueles anos na bacia de Campos.
Lula sempre insistiu que tinha viajado de ônibus por todo o Brasil. E que ninguém conhecia mais o Brasil do que ele. Vê-se que de pouco adiantou.
Não deve ter prestado atenção na diversidade regional.
Quando vai a Manaus, não apresenta nenhuma nova idéia, a não ser manter os incentivos fiscais à Zona Franca, criada pelo regime militar.
Visita o Nordeste e abre o baú. Dele retira, empoeirada, a idéia da transposição das águas do rio São Francisco, apresentada pela primeira vez, ainda que de forma rudimentar, em 1818. Para o maior problema do país, segundo pesquisa Datafolha, a segurança pública, até o momento só apresentou discursos e mais discursos, sempre acompanhado de metáforas de gosto duvidoso.
O governo Lula conseguiu despolitizar a política, como ocorreu na formação do atual ministério, que, em vez de uma coalização, formou um "ajuntamento" de 11 partidos, o maior da história do Brasil, como poderá propalar o presidente aos quatro ventos. Excetuando provavelmente o PT, nenhum dos partidos do "ajuntamento" tem idéia das razões para fazer parte do governo, além, é claro, da importância dos cargos como instrumento de arrecadação de recursos financeiros para a próxima campanha eleitoral.
Apesar de tudo, Lula continua sendo muito bem avaliado pelos eleitores. Sem um contradiscurso oposicionista, só resta ao eleitor ouvir o discurso oficial. Não tem um contraponto. Não há o que comparar. Portanto, não cabe demonizar o eleitor.
Se o resultado do Datafolha, em parte, deve ser creditado ao talento comunicativo do presidente e a algumas realizações do passado que manteve (como o Bolsa Família, sensivelmente ampliado), o maior responsável pelo resultado é a inépcia da oposição, que não sabe ser oposição, vigilante, combativa e propositiva.
Até hoje, a oposição não apresentou sequer um programa mínimo de governo, instrumento indispensável para o combate político. Quando muito, obstruiu os trabalhos legislativos no Congresso Nacional, medida muito mais de desespero do que de estratégia política. A maioria dos eleitores não sabe por que a oposição é oposição. Imagina que tudo não passa de ressentimento eleitoral.
Mas há aqueles que não querem ser oposição, como o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), líder da minoria.
Este já disse que Lula está amadurecido (?), pegou carona no AeroLula e elogiou a ação de Henrique Meirelles à frente do Banco Central. Sem esquecer os largos elogios ao ex-ministro Palocci na CPMI, no auge da crise da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo. Fez questão de dizer naquela sessão que era amigo do então ministro e que apoiava a política econômica do governo.
Será que no país do herói sem nenhum caráter também temos a oposição macunaímica?


MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".

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