Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 10, 2007

Jânio de Freitas - O raro e o nem tanto



Folha de S. Paulo
10/4/2007

Não renegar seus atos, decisões e compromissos merece, no Brasil, admiração proporcional à raridade

A VERIFICAÇÃO preliminar para abertura ou dispensa de inquérito também contra oficiais, por sua conduta no controle aéreo durante a confusão maior nos vôos e aeroportos, está sob forte probabilidade de mais desgastar (ou desgastar ainda mais) a Justiça Militar e o Ministério Público Militar do que, como pretendido, dar uma demonstração de tratamento judicial equânime para sargentos e oficiais.
Também no Judiciário militar a Justiça pode ser cega, mas aí usa farda. E a Aeronáutica não deseja o inquérito para oficiais. Não é verdadeira a alegação, contra o inquérito, de que oficiais do controle não estiveram presentes em seu serviço porque lá não estavam os comandados, os sargentos em greve. Nem é mais do que ridículo o argumento de que o controle é de responsabilidade direta dos sargentos controladores.
Feito o acordo determinado por Lula ao ministro Paulo Bernardo, na madrugada de 31 de março (a greve firmou-se na noite do dia 30), os controladores começaram a volta ao serviço, à medida em que seus grupos regionais se comunicavam. Quando informados do acordo, os oficiais de direção e coordenação do controle retiraram-se do serviço. E mantiveram-se à distância até que se difundiu a rendição de Lula à extinção do acordo, durante o imprevisto encontro que os comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha foram ter com ele no Planalto. Os oficiais do controle começaram a volta ao serviço no decorrer daquele final de segunda-feira e só a completaram na terça 3 de abril.
Se não houver inquérito sobre a conduta dos oficiais, não se pode dizer, propriamente, que seja um fato anormal. Mas, em nome do pudor próprio ou alheio, não se diga que foi por ausência dos chefiados. Nem, pior ainda, que há chefiados sem haver chefias, porque o acidente entre o Legacy e o avião da Gol até levou à substituição do brigadeiro que chefia as chefias de atividades do controle aéreo. Controladores é notório que faltam, mas chefias, não.
A contrariedade da Aeronáutica oferece a hipótese disponível para os maneirismos e ressalvas, idas e vindas, das entrevistas de procuradores do Ministério Público Militar quanto aos inquéritos que possam envolver os oficiais deste caso. Daí não se deduza, porém, que o MPM é desprovido de objetividade e determinação, ambas bem expostas na pronta abertura do inquérito contra os sargentos. Como determina a lei.
Se a insegurança dos vôos e de muitos milhares de pessoas aumentou durante uns três dias ou mais, por ausência dos dirigentes e coordenadores dos grevistas retornados ao controle, aos leigos pode parecer-nos algo bastante grave. Considerar o nível de responsabilidades e de formação, afinal de contas, está nos nossos hábitos de funcionários ou dirigentes de empresas. Mas as considerações para abertura ou dispensa do inquérito são mais sutis. Ou menos? Muito menos, você sussurrou?
Não entro em tal discussão. Limito-me a admirar os cinco sargentos que, em entrevista a Kátia Brasil para a Folha de domingo, tiveram a dignidade de dizer que, conquanto lamentem o causado a tantos passageiros, assumem o que fizeram e enfrentam sem arrependimento o que quer que os espere. Não renegar seus atos, decisões e compromissos merece, no Brasil, admiração proporcional à raridade.

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