Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 02, 2006

Xadrez: o desafio do homem contra a máquina

O ser humano em xeque

Você já viu este filme: campeão
mundial enfrenta computador.
Mas desta vez a máquina é favorita


André Fontenelle

Henning Kaiser/AFP

Kramnik contra Deep Fritz: erro humilhante e derrota na segunda partida

Nove anos atrás, fãs de xadrez do mundo inteiro ficaram consternados quando o computador Deep Blue derrotou o campeão mundial, o russo Garry Kasparov, em uma série de seis partidas. Hoje, o contrário é que causaria surpresa. O atual detentor do título – outro russo, Vladimir Kramnik, que tomou de Kasparov a coroa em 2000 – está enfrentando na Alemanha um dos sucessores de Deep Blue, o programa de computador Deep Fritz. Desta vez, a máquina é favorita.

Até a semana passada, disputadas as três primeiras das seis partidas previstas, houve dois empates e uma vitória de Fritz – um programa que qualquer pessoa pode comprar por 50 euros (140 reais) nas lojas de informática da Europa. Não deixa de ser um triunfo do cérebro humano que Kramnik consiga competir com uma máquina capaz de avaliar 9 milhões de posições por segundo, enquanto ele próprio só pode considerar uma nesse lapso de tempo. Isso acontece devido à forma de "pensar" dos jogadores de carne e osso e dos de silício. Vencer, no xadrez, depende da capacidade de ver o jogo vários lances à frente. Mas os milhares de combinações possíveis depois de três ou quatro movimentos tornam impraticável ao cérebro humano avaliar todas as alternativas em um tempo razoável. Grandes mestres superam essa limitação graças à capacidade de reconhecer padrões, à experiência e à intuição. Desconsideram os lances obviamente ruins e se concentram nos três ou quatro que lhes parecem corretos – mesmo que às vezes não saibam exatamente no que vão dar.

Computadores, por sua vez, apelam para a "força bruta". Os mais potentes chegam a processar 200 milhões de lances por segundo. E não têm apenas essa vantagem. Os programas modernos avaliam as posições no tabuleiro bem melhor que os antigos. E a capacidade de processamento não cessa de evoluir. "O mais importante, hoje, não é o software, e sim o hardware", diz o brasileiro Gilberto Milos, grande mestre internacional. No ano passado, o inglês Michael Adams, número 9 no ranking mundial, enfrentou um colosso de 32 processadores Intel Xeon interligados, batizado de Hydra em referência à besta multicéfala da mitologia grega. Em seis partidas, Hydra venceu cinco e só concedeu um empate.

Adam Nadel/AP

Kasparov enfrenta Deep Blue: o primeiro triunfo do computador

Os reticentes têm atribuído as goleadas do computador aos erros cometidos pelos seres humanos, e não aos méritos da máquina. Nervosos diante de um adversário que não perdoa nenhum erro, por menor que seja, grandes mestres podem se comportar como principiantes. Na segunda partida da série atualmente em curso, Vladimir Kramnik cometeu um dos maiores equívocos já vistos no xadrez de alto nível. Não percebeu uma ameaça óbvia, facilmente evitável, e levou xeque-mate no lance seguinte. "Isso nunca aconteceu comigo. Tive um apagão", admitiu um atordoado campeão mundial na entrevista coletiva posterior à partida. O mais doloroso para o russo – além do milhão de dólares que ele deixará de ganhar se essa partida lhe custar a vitória final na série – é que, até ali, ele vinha jogando bem.

Erros crassos como esse não ofuscam a evidência de que os computadores têm vencido mesmo quando os enxadristas jogam corretamente. Teme-se que em breve jogador algum seja capaz de derrotá-los. "Talvez este seja o último confronto entre homem e máquina", disse Kramnik sobre seu duelo com Deep Fritz. O interesse por ídolos históricos como Bobby Fischer e Kasparov se tornaria, então, definitivamente coisa do passado. (Nos Estados Unidos, muitos enxadristas migraram para os milionários torneios de pôquer, em que a memória privilegiada pode render mais dinheiro.) Há quem ache, porém, que os melhores jogadores sempre conseguirão equilibrar as partidas, desde que não cometam erros. "Essa questão ainda não está definida", diz o grande mestre Milos.

Teoricamente é possível até que um dia os computadores "resolvam" o jogo de xadrez – ou seja, encontrem, a partir da posição inicial, os melhores lances possíveis para os dois jogadores. Um exemplo simples que permite entender isso é o jogo-da-velha, que, jogado corretamente pelos dois lados, termina sempre empatado. Infinitamente mais complexa, a "solução" do xadrez ainda está muito acima do alcance dos processadores atuais. Mas é bom lembrar que meio século atrás acreditava-se que jamais um computador conseguiria calcular 1 milhão de posições por segundo, coisa corriqueira para as máquinas de hoje.







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