Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 02, 2006

Uma história da Livraria José Olympio

Pratas da casa

Histórias da José Olympio, a editora e a
livraria onde se reuniram os maiores nomes
da literatura brasileira das décadas de 30 a 50


Jerônimo Teixeira

EXCLUSIVO ON-LINE
Trecho do livro
Trecho de leitura feita por Ferreira Gullar da crônica A Casa, de Carlos Drummond de Andrade, publicada em 1957, no Correio da Manhã

José Olympio Pereira Filho costumava referir-se à editora e livraria que fundou e que levava seu nome como "a Casa". Carlos Drummond de Andrade – um dos nomes estelares publicados pela José Olympio – conta em uma crônica que seu editor falava da Casa para expor suas próprias disposições de espírito em terceira pessoa: "a Casa ficou magoada, a Casa está feliz". A Casa foi uma das maiores editoras do Brasil no século XX, especialmente durante as décadas de 30, 40 e 50. Manuel Bandeira, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda lançaram seus livros por ela. No Rio de Janeiro de então, alguns desses autores também podiam ser encontrados cotidianamente na livraria José Olympio, reunidos no fundo da loja, discutindo política e literatura e eventualmente dando autógrafos aos leitores que ousavam se aproximar. É o endereço dessa livraria que dá título ao primeiro livro da jornalista Lucila Soares, editora da sucursal de VEJA no Rio de Janeiro. Rua do Ouvidor 110 (José Olympio; 232 páginas; 40 reais) é uma saborosa crônica de um dos mais célebres pontos de encontro na história da literatura brasileira.

Embora a autora ainda não houvesse nascido quando os casos que narra aconteceram, o livro tem um certo tom afetivo. Explica-se: Lucila é neta de José Olympio. Não chegou a conhecer a célebre livraria – que fechou em 1955, quando os proprietários do imóvel onde ela estava instalada interromperam o contrato de aluguel para demolir o prédio –, mas conviveu com alguns freqüentadores do escritório do avô, como Drummond e Guimarães Rosa. A reunião de quase todo o primeiro time da literatura nacional sob um único selo foi uma conquista da ousadia empresarial de José Olympio. Nascido no interior paulista, em 1902, José Olympio – ou J.O., como o chamavam os mais próximos – só concluiu o curso primário, mas muito cedo começou a trabalhar na livraria Garraux. Tinha sensibilidade para o negócio e sabia cultivar amigos e investidores. Sua editora deu largada em 1931, ainda em São Paulo, com um livro de sucesso: Conhece-te pela Psicanálise, do americano J. Ralph, obra do gênero que hoje se conhece como auto-ajuda. Em 1934, Olympio mudou-se para o Rio, onde abriu sua famosa livraria. Veio com projetos surpreendentes para a época. Em um mercado que ainda tratava os escritores como diletantes que deveriam considerar um favor que alguém publicasse seus livros, a José Olympio pagava adiantamentos de direitos autorais. E fazia tiragens enormes – para o lançamento de Bangüê, de José Lins do Rego, imprimiu 10.000 exemplares. Ainda hoje, as tiragens médias de literatura no Brasil ficam em torno de 3.000.

A livraria logo se tornou um dos mais agitados pontos literários da então capital federal. No fundo da sala, as presenças mais freqüentes eram José Lins do Rego e Graciliano Ramos. A dupla dava um contraste curioso: José Lins era obeso, bonachão, expansivo. Graciliano, recém-vindo de um período como preso político da ditadura de Getúlio Vargas, era magro e de poucas palavras. Alguns autores iniciantes se arriscavam a pedir sua opinião sobre os textos que produziam – e sua apreciação era sempre de uma sinceridade demolidora. Chegou a rasgar um conto do jornalista Joel Silveira, na presença do jovem autor.

A José Olympio era a editora dos novos: abriu espaço para poetas modernistas que tinham pouca ou nenhuma saída comercial – caso de Drummond – e encampou os grandes nomes do regionalismo nordestino. Politicamente, era mais eclética, publicando comunistas como Jorge Amado e Graciliano e integralistas como Plínio Salgado. Abrigava muitos intelectuais de oposição ao regime – mas o próprio Getúlio Vargas publicava seus discursos pela editora, em uma série de livros com o título de A Nova Política do Brasil. Eram mesmo tempos ambíguos: a ditadura Vargas não apenas reprimia e censurava, mas também buscava cooptar os intelectuais por meio de empregos públicos ou trabalhos ocasionais. Jorge Amado foi talvez o único a romper com José Olympio por motivos políticos. Mas a vaidade do escritor talvez tenha pesado tanto quanto a pureza ideológica: Jorge não gostou de ver seu nome publicado abaixo do de Plínio Salgado em um anúncio da editora.

Em 1990, quando morreu, José Olympio não era mais proprietário da editora que leva seu nome. Afundada em dívidas, ela foi encampada pelo BNDES nos anos 70. Hoje pertence ao grupo Record. Do catálogo espetacular dos anos 30, 40 e 50, conserva alguns autores, como José Lins do Rego. Mas foi uma das editoras mais importantes do Brasil em sua época – uma força civilizadora no plano cultural e um modelo de profissionalização e ousadia empresarial. Rua do Ouvidor 110 reconstitui parte dessa história, com uma profusão de casos saborosos sobre os escritores da José Olympio – uma turma que encontrou sua casa no fundo de uma livraria.

 


SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
O sociólogo e o poeta tinham uma relação distanciada, por causa de um incidente envolvendo uma ex-namorada de Sérgio. Funcionária de Drummond no Ministério da Educação, a moça se queixou ao namorado de que o chefe a estava assediando. Sérgio foi tirar a história a limpo – e acabou se atracando com o autor de José

JOSÉ OLYMPIO
O editor e livreiro era um empresário ousado, mas também controlador. "Vocês têm o privilégio de morar no Rio de Janeiro e ainda vêm me falar em dinheiro?", respondeu aos próprios irmãos, quando eles lhe pediram aumento

JORGE AMADO
O escritor baiano foi funcionário da José Olympio, mas rompeu com o editor em 1937. O comunista Jorge Amado ficou melindrado porque o nome do integralista Plínio Salgado figurou antes do dele em um anúncio dos romancistas da editora

JOSÉ LINS DO REGO
Amigo de Graciliano Ramos, contrastava a personalidade soturna deste com um jeitão despachado. Nos bares, costumava roubar o copo de uísque dos outros. Dizia que era um gesto de amizade: "O álcool é inimigo do homem. Amigo meu não bebe"

GRACILIANO RAMOS
O autor de Angústia era muito assediado pelos jovens escritores que o encontravam na livraria. Certa vez rasgou em pedacinhos um conto que considerou muito ruim – e o fez na frente do autor, o jornalista Joel Silveira

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