Um livro sobre os personagens
pitorescos que reinventaram a
economia americana no século XIX
Carlos Graieb
Na segunda metade do século XIX, os Estados Unidos deram um dos mais extraordinários saltos de desenvolvimento da história. Em 1860, a produção industrial do país correspondia a um terço da produção britânica. Quarenta anos depois, a situação se invertera: as fábricas americanas já produziam 25% mais que as da antiga metrópole. Entre os fatores que explicam essa explosão de riqueza, não se pode ignorar o surgimento de uma nova classe de empreendedores. Saídos muitas vezes da pobreza, esses homens acumularam, em tempo recorde, fortunas antes inimagináveis. O historiador Richard Hofstadter os descreveu assim: "Vinham de baixo e agiam com vulgaridade; mas também possuíam uma audácia heróica e magníficos talentos. Multiplicaram a riqueza nacional, agarraram oportunidades, orquestraram esquemas de corrupção. O período tirou deles o seu tom e a sua cor". Há bibliotecas inteiras dedicadas a discutir o legado desses personagens. Alguns livros os chamam de "barões ladrões". Outros, como Os Magnatas (tradução de Edmundo Barreiros; L± 388 páginas; 49 reais), apontam na direção contrária. Escrito pelo americano Charles R. Morris, o livro analisa o papel que os capitalistas J.P. Morgan, Andrew Carnegie, John D. Rockefeller e Jay Gould tiveram "na invenção da supereconomia americana".
Os Magnatas é um livro irregular. Há digressões sobre temas como a fabricação de espingardas, as taxas de fertilidade na classe média ou o significado econômico de um "choque de oferta", além de um capítulo-manifesto contra as escolas de administração. Esses desvios não chegam a ser aborrecidos, mas também não fariam falta. O texto cresce quando acompanha de perto seus heróis. Quanto a três deles não existem dúvidas: Morgan, Carnegie e Rockefeller desenvolveram novas formas de organizar e administrar negócios. Eles se encontram na origem da moderna economia corporativa. Jay Gould é um caso mais complicado. Ao contrário dos outros, que também despertaram muita admiração, ele foi execrado em seu tempo. Seu dom estaria em destruir empreendimentos e se apossar da riqueza alheia. "Ele tem o toque da morte", disse um de seus adversários. Morris acredita, no entanto, que o talento de Gould como administrador foi subestimado e que mesmo suas especulações tiveram um papel construtivo. Segundo ele, o sistema ferroviário americano jamais teria se desenvolvido tão rápido se não fossem as "provocações" de Gould.
Carnegie e Rockefeller ascenderam do nada para tornar-se colossos na siderurgia e na indústria petrolífera. Criaram empresas gigantescas absorvendo implacavelmente seus competidores. Carnegie desenvolveu uma filosofia de negócios baseada na produção em escala, na redução dos custos e na inovação tecnológica constante. Quando se fala de Rockefeller, "multinacional" e "monopólio" são as palavras que vêm à mente. Sua Standard Oil vendia querosene ao mundo todo e chegou a controlar quase que a totalidade do negócio de refino de petróleo nos Estados Unidos. À medida que deglutia empresas menores, ele teve de inventar maneiras de coordenar as inúmeras peças de seu quebra-cabeça corporativo, numa época em que a legislação americana nem sequer aceitava que uma empresa operasse em dois estados. Em 1910, a Suprema Corte dos Estados Unidos obrigou a Standard Oil a dividir-se em mais de trinta companhias, no primeiro grande processo antitruste da história. A fortuna de Rockefeller chegou a ser avaliada em 1,2 bilhão de dólares – um valor muito mais do que astronômico para aquele tempo. Carnegie se desfez de 200 milhões de dólares antes de morrer. Voraz na acumulação, passou mais tarde a acreditar que morrer rico era "a desgraça de um homem".
A história do banqueiro J.P. Morgan se confunde com a das finanças americanas. Ele tomou em suas mãos as tarefas de um banco central quando os Estados Unidos não contavam com essa instituição. Mais de uma vez evitou colapsos econômicos. Em 1907, quando um pânico acometeu os investidores e pôs em perigo a bolsa e o sistema bancário, coube a ele organizar um plano de emergência para impedir a quebradeira. Morgan também reorganizou setores inteiros da economia, como o ferroviário e o siderúrgico. Em 1901, comandou a criação da maior de todas as corporações do país, a US Steel, com capital de 1,4 bilhão de dólares (mais que o dobro da receita do governo federal no mesmo ano). Como dizia a piada da época, Deus havia criado o mundo – e Morgan o havia reorganizado.
Na última década, Rockefeller, Gould, Morgan e Carnegie foram todos retratados em livros maciços, escritos por autores de renome. Um perfil do último, com 878 páginas, acaba de ser lançado nos Estados Unidos pelo historiador David Nasaw. Sua observação sobre Carnegie vale para todos os outros: "Ele foi muitas coisas – exceto tedioso". Ainda que de maneira mais modesta, o aspecto pitoresco dessas vidas é capturado por Os Magnatas. Mas não só isso. Tanto quanto no caso dos artistas ou políticos, a história de uma época pode se refratar de mil maneiras na biografia de um grande empreendedor. Infelizmente, esse é um gênero de livro quase ignorado no Brasil.
Jay Gould
(1836-1892)
O personagem: filho de um agricultor pobre, ficou conhecido como Mefistófeles de Wall Street. Era um personagem taciturno e desprovido de charme, mas tinha um gênio inigualável para as finanças
As realizações: ajudou a expandir e estruturar o negócio ferroviário nos Estados Unidos, assumindo o controle acionário e a direção executiva de dezenas de linhas
Por que foi polêmico: protagonizou os maiores escândalos da Bolsa de Nova York e tornou-se epítome do especulador sanguinário. "Ele foi uma figura sinistra que esvoaçou como um morcego diante dos americanos", escreveu o jornalista Joseph Pulitzer
John D. Rockefeller
(1839-1937)
O personagem: em contraste com seu pai, que atuou como curandeiro e mágico itinerante entre outras atividades inusitadas, ele foi um homem convencional, discreto e devoto. "tinha a alma de um guarda-livros", disse uma biógrafa
As realizações: sob a bandeira da Standard Oil, controlou o comércio mundial de petróleo
Por que foi polêmico: tornou-se símbolo do capitalismo monopolista
Andrew Carnegie
(1835-1919)
Harlingue/AFP |
O personagem: nasceu na Escócia, filho de um tecelão empobrecido. Era uma figura vivaz e temperamental, de 1,65 metro de altura, e cortejava a admiração pública. Doou quase toda a sua fortuna antes de morrer
As realizações: transformou sua empresa na maior siderúrgica do mundo apostando no reinvestimento dos lucros, na automação e na redução de custos
Por que foi polêmico: era um patrão implacável. O arrocho sobre seus empregados fez com que uma das mais célebres greves da história eclodisse em sua empresa. A repressão a ela resultou em oito mortes
J. P. Morgan
(1837-1913)
Hulton Archive/Getty Images |
O personagem: ele descendia de famílias tradicionais pelos lados materno e paterno. Nos negócios foi um disciplinador – e um mulherengo na vida privada. Sua extraordinária coleção de arte hoje compõe o acervo do Metropolitan de Nova York
As realizações: foi o maior banqueiro de seu tempo. Atuou como xerife das finanças públicas quando os Estados Unidos não tinham banco central. Deu forma às primeiras megacorporações americanas
Por que foi polêmico: acreditava que a administração das finanças públicas devia ser deixada a cargo de banqueiros como ele. Seus opositores discordavam: um poder tão grande não podia ficar em mãos privadas