Sucesso de produções locais
derruba a audiência de novelas
da Rede Globo no exterior
Marcelo Bortoloti
A Rede Globo exporta novelas há pelo menos trinta anos, e sempre teve orgulho em propalar o sucesso que suas produções fazem lá fora. Nada mais justo. Seus folhetins já lançaram moda em muitos países. Escrava Isaura tornou Lucélia Santos uma celebridade na China e incorporou a palavra fazenda ao vocabulário russo. Roque Santeiro virou nome de praça em Angola e fez com que crianças fossem batizadas de Porcina – a viúva interpretada por Regina Duarte – em Portugal. O impacto das novelas globais na América Latina já virou tema de dúzias de teses acadêmicas. Foram anos dourados entre as décadas de 70 e 90. Hoje a realidade da gigante brasileira é bem mais opaca no cenário internacional. Sua audiência definhou nos últimos anos. Na América Latina, onde as novelas da Rede Globo sempre tiveram um histórico de liderança, elas já não figuram entre os vinte programas mais vistos, com exceção de Senhora do Destino (no Uruguai) e América (no Equador). Os dados são de um levantamento feito pelo Ibope no mês de setembro em onze países da região. Em Portugal, nos últimos seis anos a audiência da emissora caiu pela metade – enquanto O Rei do Gado, exibida em 1997, costumava ter média de 23 pontos, Cobras & Lagartos, atualmente em cartaz, tem 10, e Bang Bang, menos de 1 ponto. Na China e na Rússia, a despeito dos tempos de glória, a Globo não tem hoje nenhuma novela em cartaz.
O cenário é fruto de uma transformação no ramo da teledramaturgia nos últimos anos. Quando a Globo começou a exportar novelas, em 1975, o gênero tinha pouca concorrência no mercado mundial. Eram raros os países da América Latina com capacidade de produção própria. Na Europa predominavam as televisões estatais, com uma produção local rala e sem nenhuma concorrência comercial. Na China e em outros países comunistas havia um bloqueio contra produções americanas, ou seja, um mercado praticamente livre de competição. O mérito da Rede Globo foi conseguir entrar em todos esses lugares, com produções de reconhecida qualidade, e abrir o mercado para o gênero. Desde então as telenovelas caíram no gosto da platéia, e atualmente seu público estimado é de 2 bilhões de telespectadores em todo o mundo. São produzidos em média 500 folhetins por ano – destes, apenas seis são da Globo. "O negócio mudou. Hoje existem mais produtores de novelas do que dez anos atrás", reconhece Raphael Corrêa, diretor de vendas internacionais da Rede Globo. "Isso não quer dizer que nos tornamos menos competitivos. Estamos tão competitivos quanto antes, mas num outro ambiente."
Novas opções de conteúdo começaram a surgir na televisão européia já em fins dos anos 80, com o aparecimento das emissoras comerciais. De lá para cá, as produções locais, que não tinham qualidade nenhuma, se aperfeiçoaram – o que desalojou as novelas do Brasil. "Desde 1999 as novelas brasileiras têm menor audiência em Portugal. Caíram de cerca de 35% do share para 10%", diz a portuguesa Isabel Ferin, especialista em telenovelas da Universidade de Coimbra. Não é difícil entender o porquê. Novelas locais, com temas e atores mais próximos à realidade do país, estão ganhando a preferência do público. Hoje a audiência da televisão portuguesa é liderada por duas produções lusitanas: Doce Fugitiva e Tempo de Viver, ambas da emissora TVI. "As novelas brasileiras têm muito sexo, o que torna desconfortável vê-las em família", observa Isabel Ferin. O fenômeno é muito semelhante na América Latina, onde as produções locais passaram a fazer mais sentido que uma novela dublada. Os folhetins da Globo, antes exibidos em horário nobre, migraram para a tarde ou a madrugada.
Nesse meio-tempo, as empresas latinas afiaram suas garras no lucrativo mercado das telenovelas. Ao lado da gigante Televisa, do México, surgiram outras grandes como Venevisión e RCTV, da Venezuela, Telefe e Artear, da Argentina, Caracol e RCN, da Colômbia, e Tepuy, da Espanha. Os americanos também entraram na briga. O grupo Fox lançou neste ano duas novelas no mercado doméstico, Fashion House e Desire. Sem nenhuma tradição em dramalhões, até a Alemanha já ingressou nessa seara – nos últimos dois anos o canal ZDF produziu três novelas: Bianca, Julia e Tessa, não por acaso com inspiração latina. A Rede Globo passou a enfrentar concorrência até mesmo no mercado nacional depois que a Record obteve relativo sucesso na exportação de seus folhetins. Em dois anos, a versão da emissora para A Escrava Isaura foi vendida a quinze países (atualmente ocupa o primeiro lugar na Guatemala, segundo o Ibope). O padrão de qualidade das novelas globais ainda supera de longe o dos dramalhões hispânicos. Esse mérito não se pode subtrair. E a própria emissora se gaba de ter elevado seu faturamento com vendas internacionais nos últimos anos – na década de 80, ele girava em torno de 20 milhões de dólares ao ano, e hoje, embora a Globo não divulgue números, estima-se que fature 40 milhões de dólares. Só não conseguiu acompanhar o ritmo das concorrentes estrangeiras, que cresceram mais do que isso com produções que custam menos da metade do preço.