Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Uma decisão esdrúxula

Uma decisão esdrúxula

Editorial
O Estado de S. Paulo
3/12/2006

O juiz federal Antonio Corrêa, da 9ª Vara Federal de Brasília, concedeu liminar em ação civil pública impetrada pela deputada federal Dra. Clair, do PT, para anular a 8ª Rodada de licitações de áreas para exploração de petróleo, promovida pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). A pretexto de proteger a Petrobrás, a decisão estabeleceu o regime de direitos diferenciados para os participantes do leilão, num flagrante desrespeito tanto às demais empresas presentes à rodada como ao órgão regulador.

Os leilões da ANP foram muito bem-sucedidos tanto no governo Fernando Henrique como no período Luiz Inácio Lula da Silva. Eles são a comprovação de que, havendo regras claras, é possível atrair investidores de todos os portes.

As rodadas da ANP são anuais e começaram em 1999, após a abertura do setor de petróleo. Delas participaram mais de cem grupos, inclusive multinacionais com atuação global em petróleo e gás, como Shell, BP, BG, Exxon, Eni, Repsol, Amerada Hess, Occidental, Petrogal, Statoil, além de companhias brasileiras, inclusive de pequeno porte, interessadas em explorar áreas novas ou poços terrestres. Até a 7ª Rodada estavam previstos investimentos de US$ 19 bilhões.

As rodadas anteriores foram um sucesso financeiro imediato. Permitiram à ANP apurar R$ 3,2 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão apenas na 7ª Rodada, qualificada pelo diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, como “excepcional”. Houve, então, um nítido contraste entre as críticas do jornal inglês Financial Times às incertezas regulatórias no País e os resultados positivos do leilão. Mas é certo que, agora, as incertezas temidas colheram em cheio a 8ª Rodada - que já estava a meio caminho quando foi abruptamente suspensa pela Justiça de Brasília.

Uma vez mais, o leilão tinha tudo para se revestir de êxito. Para ele se inscreveram 43 empresas, entre as quais, uma vez mais, algumas das maiores do mundo. Um total de 284 blocos foi oferecido. Até a interrupção judicial, 38 blocos foram adquiridos por 23 diferentes empresas, com predomínio da Petrobrás, que atuou isoladamente ou em conjunto com grupos multinacionais. A arrecadação já alcançava R$ 588 milhões, embora tivessem sido licitados apenas 3 de um total de 18 setores.

Mas as regras da 8ª Rodada tinham uma diferença em relação às anteriores. Para evitar a concentração dos vencedores, a ANP decidiu limitar o número de ofertas por empresa para cada setor oferecido. O propósito da agência foi evitar a repetição do que ocorreu na 7ª Rodada, realizada em outubro do ano passado, quando uma única companhia, a argentina Oil M&S, arrematou a maior parte das áreas oferecidas nas Bacias de Solimões, no Amazonas, e São Francisco, em Minas Gerais.
O objetivo da ANP era ampliar a concorrência, mas a regra já havia sofrido uma contestação, na Justiça, do Clube de Engenharia do Rio. Naquela oportunidade, o órgão regulador obteve ganho de causa, ao contrário do que ocorreu na última terça-feira.

Os efeitos da decisão da 9ª Vara Federal podem ser muito graves, arranhando a imagem do Brasil, como observou o diretor-geral da ANP. Além dos prejuízos causados aos participantes da 8ª Rodada, que desperdiçaram dinheiro e tempo de seus executivos enviados ao Rio, ocorrerá um atraso na exploração das áreas licitadas. Até funcionários da Petrobrás, aparentemente beneficiada pela decisão, reclamaram da interrupção do leilão.

Ainda mais grave poderá ser o efeito da sentença sobre as próximas rodadas. “Com que conceito vamos promover a 9ª Rodada, trazendo gente da Índia, da Noruega, como tem aqui hoje?”, indagou Lima.

A Petrobrás não precisa dessa ajuda que apenas enfraquece a competição no mercado brasileiro. Para não se ver afastada de áreas nas quais tem interesse, a estatal costuma atuar em conjunto com outras empresas.

O princípio de que todos os participantes das licitações têm direitos iguais é por demais evidente para que possa ser questionado, a menos que o propósito tenha sido o de enfraquecer a ANP e agravar as dúvidas sobre o poder das agências reguladoras no Brasil. O resultado será tornar o País menos “amigável” ao investidor estrangeiro, e o que se deseja é exatamente o oposto disso.

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