Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Quem está iludindo Lula? Mailson da Nóbrega

Quem está iludindo Lula?

Artigo -
O Estado de S. Paulo
3/12/2006

O presidente quer "destravar" o crescimento do País para que o Produto Interno Bruto (PIB) se expanda pelo menos 5% já em 2007. Reuniões com assessores buscam viabilizar esse objetivo. O ministro da Fazenda diz que é factível.

Alguém está iludindo Lula. Ou se trata de auto-engano? Nenhum especialista sério, incluindo gente do governo, prevê crescimento muito maior do que 3% em 2007.

A experiência e a literatura mostram que o desenvolvimento é um processo complexo, que requer, ao longo do tempo, (1) mudanças estruturais no padrão de produção; (2) modernização social, política e institucional; (3) avanço tecnológico; (4) melhoria generalizada nos níveis de bem-estar.

Esses quatro fatores dependem de outros elementos, como a educação de qualidade, particularmente no ensino fundamental. Precisam induzir mudanças institucionais criadoras de sistemas tributários e mercados financeiros eficientes - que contribuam para a melhor alocação dos recursos - e o provimento adequado de serviços de infra-estrutura.

Daí surgem as condições para o investimento e para os ganhos de produtividade, sem os quais o crescimento rápido não passará de uma miragem.

O desenvolvimento precisa ser sustentado, isto é, não pode desaguar em inflação e/ou crises no balanço de pagamentos. A expansão não-sustentada provoca volatilidade nos mercados e no PIB. O investimento cai. Colhe-se recessão ou crescimento medíocre, corrosão inflacionária da renda - especialmente dos pobres - e redução do bem-estar geral.

O presidente tem razão ao falar em "travas" que emperram o crescimento. Acontece que elas são sólidas e não podem ser removidas facilmente, muito menos com a improvisação sugerida pelo vaivém dos anúncios diários do ministro da Fazenda.

As "travas" foram construídas há tempos, particularmente na Constituição de 1988. Não dá para crescer 5% com uma carga tributária excessiva e caótica, que incentiva a informalidade e a corrupção. Nem com uma legislação trabalhista anacrônica. Nem com o grave problema fiscal derivado, entre outros, dos gastos previdenciários. Nem com as decorrentes altas taxas de juros. Nem com marcos regulatórios ruins.

O "destravamento" exige liderança política, capacidade de eleger prioridades e estratégia competente para articular as reformas e enfrentar grupos de interesse que a elas se opõem. Há também que ter paciência. Por exemplo, uma reforma do ICMS, um dos poucos campos onde se pode melhorar o sistema tributário em alguns anos, dificilmente entraria em vigor antes de 2009. O crescimento de 5% viria mais à frente.

O presidente parece prisioneiro da crença de que o crescimento depende apenas de vontade política. Foi quase assim durante o autoritarismo.

Com as reformas do presidente Castello Branco, herdamos um sistema tributário racional, que arrecadava pouco mais de 20% do PIB. O setor público poupava 5% do PIB e assim podia investir muito em infra-estrutura.

Nessa época, os brasileiros que migravam do campo para as cidades aumentavam a produtividade ao trabalhar em máquinas industriais. Não era preciso negociar com governadores, distribuir cargos públicos a incompetentes nem piorar a qualidade do gasto com emendas orçamentárias discutíveis. Os empresários não enfrentavam os incríveis custos de contratar e demitir. E se achava que uma inflação anual de 15% era um sucesso.

No Brasil pluralista e democrático que conquistamos, não pode ser mais assim. As mudanças são lentas e incrementais. Não dá para fechar a economia, dados os nossos compromissos internacionais, nem para crescer com um "pouquinho a mais" de inflação. Agora, a sociedade privilegia a estabilidade, como felizmente Lula percebeu (mas não a maioria de seus companheiros).

É verdade que há uma receita de bolo para crescer 5%. Basta fixar uma meta formal de crescimento, determinar ao Banco Central uma redução voluntarista da taxa de juros, promover a desvalorização do câmbio, reduzir o superávit primário e garantir uma ampla desoneração tributária. Tem gente no governo e fora dele com idéias parecidas.

Por aí, seria removida a "trava" errada, aquela que sustenta a estabilidade e bem ou mal nos garante um crescimento medíocre. Lula dá a entender que não entra nessa, pois não vai aderir ao que ele denominou de "vandalismo econômico". Logo...

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