Artigo - Carlos Alberto Di Franco |
O Estado de S. Paulo |
18/12/2006 |
Freqüentemente, a informação veiculada na mídia produz um travo na alma. A sociedade desenhada no noticiário parece refém do vírus da morbidez. Crimes, aberrações e desvios de conduta desfilam no noticiário das metrópoles. Recentemente, em Bragança Paulista, cidade do interior de São Paulo, dois bandidos atearam fogo a um carro com quatro pessoas. O menino Vinícius Faria de Oliveira, de 5 anos, que teve 90% do corpo queimado, morreu dois dias após a barbárie. Os pais dele, Eliana Faria da Silva, de 32 anos, e o marido, Leandro Donizete de Oliveira, de 31, ficaram carbonizados dentro do automóvel. A família e a amiga Luciana Michele de Oliveira Dorta, de 27 anos - internada em estado grave, com 70% do corpo queimado -, tinham sido feitas reféns para que os criminosos roubassem uma loja em Bragança. Os bandidos decidiram atear fogo ao carro porque foram reconhecidos pelas vítimas. O registro policial, brutal, mas surpreendentemente rotineiro, cada vez impacta menos. A sociedade, encurralada pelo atrevimento da maldade, já encara a violência como parte da paisagem urbana. A mídia tem sido acusada de estar dominada pela síndrome da má notícia. Catástrofes e tragédias excitam pautas e ganham o status de manchete de primeira página. Queixam-se os leitores de que, freqüentemente, iniciativas bem-sucedidas têm recebido pouco destaque ou, quando muito, migram para o lusco-fusco das páginas interiores. Essa tendência, no entanto, acaba de ser derrubada pela força de uma boa notícia: o analista de sistemas Adriano Levandoski de Miranda, de 27 anos, se atirou no poluído Rio Pinheiros, na zona sul de São Paulo, para salvar uma mulher e seu filho de 3 anos. Utilizou uma moto “furtada” para alcançá-los mais rapidamente e ser bem-sucedido. Ouvido pela reportagem, Adriano reagiu com notável simplicidade: “Qualquer um faria a mesma coisa!” A notícia positiva, tão verdadeira quanto a informação negativa, é uma surpresa, quase um fato inusitado. Acabamos de redescobrir que a sociedade, aparentemente anestesiada pela violência, não perdeu a capacidade de se comover com um instantâneo de grandeza moral. O episódio, não obstante a cativante humildade do jovem analista de sistemas, merece, portanto, um registro neste espaço opinativo. É importante que a opinião pública, habituada à síndrome de catástrofe e ao negativismo enfermiço que têm dominado inúmeras pautas, perceba que a solidariedade ainda pode ocupar o espaço de uma matéria. Infelizmente, de algum tempo para cá, alguns veículos de comunicação, sobretudo os da mídia eletrônica, manifestam preocupante dependência de um fluxo de escândalos e sensacionalismo para se manterem no negócio. Explorando o chamado jornalismo popular, arma-se um espetáculo com o que a natureza humana é capaz de produzir de mais sórdido e perverso. A miséria material e moral é transformada em instrumento de marketing. O que importa na fria contabilidade do jornalismo aético é um bom desempenho na circulação e nas pesquisas de opinião. Elevados índices de audiência são suficientes para acalmar eventuais escrúpulos morais. Alguns setores da mídia, em nome de suposta independência e de autoproclamada imparcialidade, castigam, diariamente, o fígado dos seus leitores. Dominados pelo vírus do negativismo, perdem conexão com a vida real. O jornalismo não existe para elogiar, argumentam os defensores de uma imprensa que se transforma em exercício sistemático de contrapoder. A imprensa tem uma missão de denúncia, de contraponto. Concordo. A deformação, portanto, não está aí, mas na miopia, na obsessão seletiva pelo underground da vida. O que critico não é o jornalismo de denúncia, mas a opção pelo sensacionalismo em detrimento da análise séria e profunda. Estou convencido de que boa parte da crise da imprensa pode ser explicada pelo autismo de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de mostrar as sombras, mas também as luzes que compõem o quadro da vida. “Quando uma situação se corrompe, a primeira corrupção se dá na linguagem.” A afirmação, do escritor Octavio Paz, pode ser comprovada diariamente. A mídia, argumentam os aguerridos defensores do jornalismo mundo-cão, retrata a vida como ela é. Teria, contudo, o cotidiano do brasileiro médio tamanhas e tão freqüentes manifestações de aberrações patológicas? Penso que não. Há uma evidente compulsão a pinçar os aspectos negativos da vida. Por mais que a sociedade tenha mudado, tenho a certeza de que o pretenso realismo que se alardeia como justificativa para o excesso de violência e mau gosto que, diariamente, desaba sobre leitores e telespectadores não retrata a realidade vivida pela maioria esmagadora da população. Na verdade, ainda há muita gente que cultua os valores éticos, os quais dão sentido e dignidade ao ato de viver; ainda há pessoas que, diante do vizinho doente, correm a socorrê-lo; e sofrem por uma criança abandonada; e estendem a mão a um amigo necessitado; e choram pelas vítimas de uma injustiça, como qualquer ser humano. Por isso, caro leitor, a atitude do jovem Adriano Levandoski de Miranda ocupou o nosso encontro quinzenal. “Qualquer um faria a mesma coisa”, afirmou o analista de sistemas. Talvez. Mas para nós, profissionais de um jornalismo tão habituado à rotina do noticiário negativo, o episódio tem algo de inusitado. Adriano deixa um belo legado de coragem e solidariedade para seus filhos. E a nós, jornalistas, mostrou que a grandeza humana bem vale uma matéria. A todos, feliz Natal! |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, dezembro 18, 2006
A solidariedade vale uma matéria
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