Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Carlos Alberto Sardenberg A confusão é do governo



Artigo -
O Estado de S. Paulo
18/12/2006

Ainda que bem informados, os leitores e leitoras se têm declarado confusos com o noticiário econômico. E sabem de uma coisa? Têm toda a razão. Mesmo lendo atentamente, fica difícil saber quais as linhas gerais do pacote que o presidente Lula vai lançar para “destravar” o crescimento da economia brasileira.

A suspeita passa, então, para os jornalistas. Talvez não tenhamos conseguido obter as informações corretas. Ou, pior ainda, talvez não saibamos como colocá-las num contexto razoável.

Mas o jornalismo econômico brasileiro, formado em meio a tantas crises, pacotes e planos, é muito competente, especialmente nisso de antecipar as coisas do governo. Guido Mantega é ministro da Fazenda pela primeira vez e há pouco tempo. Já os jornalistas que cobrem o setor são veteranos de muitos pacotes, de linhas variadas.

Há, portanto, uma outra hipótese: e se a confusão vem do próprio governo?

Podem cravar.Eis uma tentativa de explicar.

No começo desta história, está o presidente Lula convocando seus auxiliares e colaboradores para que encontrassem os meios de fazer o País crescer 5% já no ano que vem.

Primeira resposta que obteve: é preciso aumentar os investimentos em infra-estrutura.

Obras, portanto. Qual presidente não gosta disso? Simplesmente estavam lhe dizendo que ele precisava gastar dinheiro em grandes estradas, portos, usinas, ferrovias.

O noticiário refletiu isso: o governo estava preparando um pacote de investimentos.

Aí apareceu a primeira trava. Com que dinheiro? E assim entrou na pauta, do governo e da imprensa, uma análise das contas públicas para verificar de onde poderiam sair os recursos para novos investimentos.

O resultado foi decepcionante. Conforme mostraram várias reportagens, o governo Lula, nos últimos três anos, aumentou fortemente os gastos com Previdência, pessoal, programas sociais e custeio da máquina. Ora, os três primeiros itens são despesas permanentes. Não é possível conceder um aumento do salário mínimo ou do salário do pessoal num ano e retirá-lo no seguinte.

Com o orçamento assim engessado e apertado, verificou-se o óbvio: sobra muito pouco dinheiro para investimentos. Em números: o governo federal está aplicando em investimentos algo como 0,5% do produto interno bruto (PIB), muito pouco para um país que precisa investir 25% e, atualmente, só aplica 20%.

Neste momento, entra um caso ilustrativo, o controle do tráfego aéreo. Os jornais descobrem que o governo gastou pouco nesse setor estratégico e ainda cortou verbas destinadas à manutenção e atualização dos equipamentos.

O pessoal do PT e da base aliada tem o nome do culpado na ponta da língua: o superávit primário, a economia que o governo faz para pagar a conta de juros.

Culpado errado. O governo federal está pagando algo como 3% do PIB em juros - e isso é uma despesa obrigatória. Não pagar juros é dar calote e iniciar uma inútil crise financeira.

Além do mais, os gastos do governo com Previdência, pessoal e custeio equivalem a 18% do PIB e têm aumentado todos os anos. Conclusão óbvia: dinheiro tem, a questão é de prioridade de gastos.

Só um exemplo numérico: R$ 2 de aumento no salário mínimo - isso mesmo, dois reais - dá um custo adicional para o governo de R$ 440 milhões, já que 17 milhões de aposentados e pensionistas recebem um mínimo da Previdência. Com esse dinheiro daria para comprar um monte de radares para o tráfego aéreo ou contratar centenas de controladores.

Aí o governo enveredou por outra discussão, também refletida na imprensa: é necessário fazer uma reforma nos gastos públicos, de modo a economizar em todos os itens e, assim, liberar recursos para investimentos em infra-estrutura, inclusive aérea. O pacote, que era de aumento dos investimentos, passou a agregar a proposta de corte de gastos em custeio.

Agregou-se, também, o aumento dos investimentos privados na produção, dado seu papel óbvio na geração de crescimento. Um dos absurdos brasileiros mais conhecidos, como repete o ministro Luiz Fernando Furlan, é a pesada taxação nas empresas que investem em máquinas e equipamentos. Vai daí que o ministro passou a preparar um pacote acessório, o de bondades: redução de impostos para empresas que investem em determinados setores. Já estando com a mão na massa, prepara-se, também, a redução de impostos para outros negócios, como fabricantes de computadores, importantes para os ganhos de produtividade, e exportadores.

Só que a redução de impostos é custo para o governo, receita que se deixa de arrecadar. Começam, pois, a aparecer as contradições: o primeiro objetivo era aumentar os gastos com investimentos públicos e agora se vem com a redução da receita do governo.

Outra contradição está na promessa de Lula de continuar dando aumentos reais para o salário mínimo, assim como elevar a distribuição de Bolsa-Família e outros programas sociais. O fato de serem objetivos justos não os torna gratuitos. São gastos, e gastos pesados, que saem do mesmo caixa de onde se pretende tirar recursos para investimentos em infra-estrutura.

Nesse momento, vem o Congresso e decide colocar no orçamento do ano que vem um mínimo de R$ 375, ao custo anual de R$ 5,5 bilhões. É expressivo - a metade do que o governo gasta com investimentos.

É o ponto em que estamos. O noticiário traz, na seqüência: planos para grandes obras, mais gastos, portanto; informações sobre corte de gastos em setores essenciais ocorrido neste ano; forte aumento de gastos em Previdência, pessoal e custeio nos últimos três anos; planos de corte desses gastos; aumento real do mínimo; redução de impostos e outras bondades para as empresas privadas.

O governo discute isso e é isso que aparece no noticiário. A confusão, portanto, não é do leitor nem da imprensa, é do governo.

Veremos o que sai disso.

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