Artigo - Marcelo de Paiva Abreu |
O Estado de S. Paulo |
18/12/2006 |
A duas semanas do início do segundo mandato de Lula, o que se vê não é animador. O governo parece desnorteado na busca de instrumentos que viabilizem o voluntarismo desenvolvimentista explicitado pelo presidente da República. Durante todo o primeiro mandato de Lula, a equipe econômica foi permanentemente hostilizada por críticos internos que queriam mais desenvolvimento. A azáfama atual é indicação de que, afinal, faltavam aos opositores da política macroeconômica prudente idéias concretas sobre como acelerar o crescimento do País. Depois de muitos rodeios, está ficando claro que o governo não tem estofo para ir além de uma busca pela rama de fórmulas que teriam sido milagrosas no passado. Está valendo tudo. Referências, com assombro, às metas setoriais do Plano de Metas no governo JK, dirigidas para a remoção de pontos de estrangulamento na infra-estrutura. Menções, como se fosse portentosa novidade, a um programa de investimentos públicos que torne a programação orçamentária compatível com o cronograma das obras de infra-estrutura, assunto mais do que batido já no governo Castello Branco. O problema é que o governo, além de ruim no ofício de definir políticas de desenvolvimento, faz uso bastante seletivo das lições que podem ser extraídas do passado. A atual angústia do presidente quanto ao registro que a História fará de seu governo está longe de ser original. Muitos presidentes ponderaram vantagens e desvantagens de compromissos com a estabilização e com o desenvolvimento. Com o foco restrito aos presidentes eleitos democraticamente desde 1945, a referência clássica é a famosa carta de Oswaldo Aranha a Getúlio Vargas em que mencionava as virtudes de uma estratégia de governo calcada nos exemplos de Campos Salles e Rodrigues Alves. A um esforço inicial de estabilização se seguiria um programa de obras (com manutenção das conquistas relacionadas à estabilização). De fato, o retrospecto, tanto do período 1945-1964 quanto do que ocorreu desde 1990, indica que o paradigma Campos Salles-Rodrigues Alves jamais teve aplicação prática. Sob Dutra, a virtude estabilizadora inicial foi sucedida por um final de governo em que o governo tratou de lubrificar a eleição de 1950 com generosa expansão do crédito. Colheu o recrudescimento da inflação e fracassou retumbantemente nos seus esforços de modernização da infra-estrutura. O segundo governo Vargas, a despeito da carta de Aranha e de visões folclóricas sobre o período, escalou uma equipe econômica com objetivos conflitantes, com Jafet anulando os esforços de Lafer, e não apenas fracassou nos esforços de estabilização, mas teve dificuldades em financiar os projetos definidos pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Só no longo prazo foram colhidos os frutos da modernização institucional - gestada por gente do calibre de Jesus Soares Pereira -, especialmente no setor energético. Juscelino começou seu governo paralisado no primeiro ano, ruminou o Plano de Metas e partiu para a estratégia de "pau na máquina" em 1957, interrompida em meados de 1958 por interesse fugaz na estabilização, que culminou no sacrifício de Lucas Lopes e de seu Programa de Estabilização Monetária 1958-1959. Depois disso, o sucesso do Plano de Metas foi decididamente comprometido pela deterioração macroeconômica. Nas palavras do próprio Lucas Lopes, que teve importante participação na elaboração do Plano de Metas: "Houve... um período... de orientação desenvolvimentista, em que prevaleceu a idéia de que... era preciso crescer de qualquer forma... Juscelino (era) um desenvolvimentista à outrance... que pouco se incomodava com... problemas (inflacionários)... Os políticos brasileiros não acreditavam em inflação, acreditavam em obras..." Em diversos governos democraticamente eleitos, tanto no regime da Constituição de 1946 quanto após 1985 - Quadros, Goulart, Sarney e Collor -, a definição de uma estratégia de desenvolvimento, de fato, não foi seriamente considerada, tão graves eram as agruras das políticas de estabilização. Sob os militares, as decisões quanto ao equilíbrio entre estabilização e desenvolvimento não podem servir de base para a extração de lições, dadas as restrições impostas ao jogo político. Em tempos mais recentes, há o exemplo do período FHC, "ampliado" por sua gestão no Ministério da Fazenda, sob Itamar. O sucesso inicial na estabilização em 1993-1994 foi seguido, em 1995-1998, por uma combinação perversa de importantes reformas institucionais de longa maturação com clara complacência quanto à deterioração das contas públicas, até que a crise de 1999 ajudasse na redescoberta da seriedade fiscal. Depois de todo um quadriênio para formular a sua estratégia de desenvolvimento, o atual governo quer resolver o assunto às pressas, baseado em discussão chinfrim, de baixo nível. A combinação da deficiência formuladora, que está sendo reiteradamente demonstrada agora, com o amplo espaço para errar, criado pela política macroeconômica do primeiro mandato e por condições favoráveis da economia mundial, suscita graves dúvidas quanto aos resultados que poderão ser alcançados por Lula 2. Entre os cenários para os próximos anos há diversos em que não é razoável descartar o alto risco de deterioração das conquistas da política macroeconômica desde o início de 2003. De qualquer forma, a melhora sustentada das perspectivas de crescimento passa longe da insistência do governo na adoção de políticas discricionárias de fomento baseadas em remendos fiscais adicionais. A fórmula da Casa Civil de compensar a pobreza de idéias com o excesso de veemência mostra sinais óbvios de esgotamento. Nas palavras de Cícero: "Os oradores são tão mais veementes quanto mais fracas as suas causas." |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, dezembro 18, 2006
Azáfama desnorteada
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