Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 09, 2006

Súmula vinculante: rumo à eficiência do Judiciário

Vai, quelônio, vai

Súmula vinculante é a esperança de
que a Justiça brasileira fique mais rápida


Alexandre Oltramari

NESTA REPORTAGEM
Quadro: Acelera tartaruga

No país em que existem processos tramitando há mais de meio século e onde é comum uma sentença definitiva ser anunciada depois que o interessado já morreu, não é preciso muito esforço para compreender como a morosidade e a ineficiência da Justiça se tornaram obstáculos ao progresso. A boa notícia é que, nesta semana, salvo uma alteração de última hora, o presidente Lula vai sancionar uma lei de nome estranho, mas altamente eficaz: a súmula vinculante. É o nome que se dá ao mecanismo segundo o qual toda decisão do Supremo Tribunal Federal, sempre que adotada por pelo menos oito de seus onze ministros, adquire força de lei – e as instâncias inferiores da Justiça, sempre que defrontadas com caso semelhante, ficam obrigadas a decidir como o Supremo o fez. Ao dar racionalidade ao sistema, impedindo que temas recorrentes andem até a última instância como se fossem inéditos, a súmula vinculante, estima-se, deve reduzir de 36 milhões para 18 milhões o número de processos em andamento no país. Além disso, o tempo médio de tramitação de um processo pode cair de doze para seis anos – um progresso e tanto, embora ainda longe da realidade dos países mais desenvolvidos.

Inspirada no direito anglo-saxão, a súmula vinculante produziu uma onda de otimismo no meio jurídico. "É um avanço para o país. Posso afirmar que a quantidade de processos que hoje chegam ao STF é invencível. Nem trabalhando 24 horas se consegue dar vencimento", diz o jurista Paulo Brossard, que foi ministro da Justiça e também ministro do STF. "Trata-se de uma medida efetiva para desafogar o Judiciário. Creio que já no próximo ano começaremos a sentir os efeitos", aposta o ministro Gilmar Mendes, do STF. Como que copiando a lentidão dos processos judiciais no país, a própria proposta de criação da súmula vinculante tem décadas de idade. Desde 1963 tramita no Congresso um projeto para que a medida seja adotada. Durante quase meio século, contudo, a mudança enfrentou a resistência de advogados, juízes e governos – em detrimento dos cidadãos comuns. A razão é simples. Com menos processos, e processos mais rápidos, os advogados perdem mercado. E, com a obrigação de seguir as decisões do STF, os juízes ficam menos livres para decidir como quiserem.

Já os governos nunca demonstraram interesse na medida porque a morosidade da Justiça lhes dá maior margem de manobra para lidar com o Orçamento da União. Com a súmula agilizando o desfecho dos processos, o governo, que geralmente é réu em ações de natureza financeira, terá de antecipar seus desembolsos. Na votação sobre a aprovação da súmula vinculante, discutiu-se o temor de que o STF, ao julgar alguma ação financeira contra a União, pudesse explodir as finanças públicas de modo irrecorrível. O risco, claro, sempre existe, mas foi para torná-lo mais remoto que os legisladores exigiram que uma súmula vinculante só seja formada com o voto de pelo menos oito dos onze ministros – e não por maioria simples, como ocorre em decisões comuns.

É óbvio que, sozinha, a súmula vinculante não fará a redenção do Judiciário. Mas, também nesta semana, o presidente Lula deverá sancionar outra medida saudável – a chamada repercussão geral. Por essa medida, o STF passa a apreciar apenas casos que tenham interesse coletivo, deixando de lado questiúnculas como o assassinato a tiros de um papagaio ou a morte de uma cadela por envenenamento – casos reais que se encontram por lá. A repercussão geral devolve ao STF sua função primordial de guardião da Constituição e também reduz seu fardo de trabalho. Hoje, o STF julga cerca de 90 000 processos por ano. Estima-se que, com a súmula vinculante e a repercussão geral, o número de processos caia para 45 000 num primeiro momento. Mais tarde, quando o meio jurídico estiver mais afeito às novas normas, é possível que a redução seja maior. Com 45.000 processos por ano, os onze ministros ainda terão cerca de 4 000 ações por ano para julgar, uma carga de trabalho assustadora para um tribunal constitucional. Nos Estados Unidos, só para se ter uma idéia, cada um dos dez magistrados da Suprema Corte julga em média dez processos por ano.




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