Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 16, 2006

Miriam Leitão Pelas frestas

“Havia uma pequena fresta, e eu passei por ela”, conta a ministra Marina Silva sobre a sua impressionante trajetória de vida, que a levou a sair do analfabetismo aos 16 anos para hoje ser o que é.

“Para mim, a fresta foi um curso do Mobral, que eu ia à noite, depois que saía da casa onde trabalhava como doméstica. Às vezes, assistia à aula em pé, porque não tinha cadeira.” Marina Silva não gosta de ser individualizada, apontada como um caso de sucesso; acha que a única diferença é que ela teve uma oportunidade, porque, como repete sempre, “todos têm a mesma potencialidade”.

— O Brasil precisa abrir frestas para os jovens, ainda bem que agora começam a ser abertas portas, janelas, avenidas — diz ela. Tomara.

Marina deve a ela mesma as suas vitórias, mas está convencida de que é beneficiária da luta, de pessoas mais velhas que ela, pela democracia: — De alguma forma, sou fruto da democracia, conquistada através de sofrimento, cadeia, tortura de pessoas que nem são assim tão mais velhas que eu — disse, referindo-se, entre outras, a Dilma Rousseff, ministrachefe da Casa Civil.

Hoje, Dilma e Marina divergem sobre vários pontos.

Marina não é de explicitar conflitos internos do governo, mas marca sua posição, como tem feito nos últimos dias, afirmando que “perde o pescoço, mas não perde o juízo”.

Talvez ela perca o pescoço, ou melhor, o Ministério, mas ,quando perguntada sobre isso, diz com tranqüilidade: — O presidente tem o direito de fazer seu governo.

Suceder a si mesmo é sempre mais difícil. Ainda não conversamos sobre isso.

Nestes quatro anos, o tema meio ambiente foi debatido como nunca. As políticas de Marina Silva provocaram polêmica, atraíram apoios, dividiram ambientalistas, têm tido oposição ferrenha entre empresários, dentro do governo, na área de energia, na área agrícola.

Perguntei a ela no “Espaço Aberto”, da Globonews, que balanço fazia diante do fato de que há números bons de criação de reservas e unidades de conservação, o índice de desmatamento anual caiu; mas também ruins: foram desmatados 85 mil km² nestes quatro anos.

— Queda do desmatamento houve outras vezes, mas, agora, é conseqüência de um trabalho que envolveu 13 ministérios, ações policiais, criação de um sistema de detecção de desmatamento em tempo real, ações de comando e controle.

Foram presas 400 pessoas envolvidas em desmatamento ilegal; delas, 100 funcionários do Ibama.

Maus funcionários, porque existem os bons funcionários que arriscam a própria vida — diz a ministra.

Até em relação à destruição da Mata Atlântica nos estados de Santa Catarina e Paraná, Marina tem bons números. Disse que antes havia apenas quatro mil hectares de áreas de conservação; agora são 76 mil hectares: — Tinha gente que fretava ônibus para levar pessoas para protestar nas audiências públicas. Enfrentamos muita resistência de gente que tentava tisnar a honra dos nossos funcionários.

A ministra, de fato, enfrentou enormes lutas para defender o que deveria estar sendo defendido naturalmente.

Teve vitórias, mas também colecionou muitas derrotas. Uma delas foi o alagamento de quatro mil hectares de Mata Atlântica com araucária para que pudesse funcionar a hidrelétrica de Barra Grande. A potência da usina nem era grande e foi construída com base num EIA-Rima fraudado, que dizia haver lá apenas um capoeirão. No governo anterior é que foi autorizada a construção, mas foi no atual governo que se liberou a destruição da mata. Ela perdeu uma queda-de-braço com Dilma Rousseff.

Marina está convencida de que tem mais vitórias que derrotas a registrar e, mesmo na frase do presidente Lula de que o meio ambiente é um entrave ao desenvolvimento, ela encontra um ponto positivo: — Não sei em que contexto ele falou, mas tenho achado positivo que a sociedade entrou no debate sobre crescer com sustentabilidade.

Os formadores de opinião estão dizendo que não podemos crescer pondo em risco nosso patrimônio ambiental. Precisamos dobrar essa esquina com segurança para crescer com proteção ao planeta.

A ministra acha que o meio ambiente não pode ser visto como questão periférica; tem que estar no centro do debate. Alerta, por exemplo, para o risco de o Brasil ser acusado de dumping ambiental, exatamente quando tem chances comerciais abertas pelo próprio debate da sustentabilidade.

— O nosso biocombustível não pode ser visto como sendo produzido à custa da mata atlântica, do cerrado, da Amazônia. Nós precisamos dar proteção às florestas para termos acesso a mercados.

Marina Silva defende a posição brasileira em Nairobi, que critiquei aqui. O Brasil tem defendido que países em desenvolvimento não tenham que assumir metas de redução da emissão, porque os atuais problemas de aquecimento global foram contratados pela poluição dos países industrializados.

Ela nega que isso seja equivalente a reivindicar para os países em desenvolvimento um direito de destruir. Admitiu, no entanto, que o Brasil pode mudar de posição: — Tem havido uma evolução.

Se for necessário, para evitarmos a catástrofe que se anuncia, os países em desenvolvimento podem vir a assumir compromissos — afirma.

Depois da gravação, perguntei a ela o que faria se fosse demitida. E, com a mesma tranqüilidade, a ministra respondeu que voltaria para o Senado, onde tem mais quatro anos.

Marina Silva pode ou não continuar ministra, mas, certamente, ficará na mesma luta pelo meio ambiente brasileiro. Se há uma pequena fresta, Marina passa por ela. Ela é assim.

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