Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Rádio na internet começa a ganhar popularidade

Estações fora do ar

Na internet, o rádio assume novo perfil:
é coisa para fã de música alternativa


Sérgio Martins


Marcelo Correa
Portugal, do Skank, transmite de seu laptop: programa catapultado da rede para a fama


NESTA REPORTAGEM
Quadro: Sintonia fina

Meses atrás, o mineiro Henrique Portugal, tecladista do grupo Skank, resolveu lançar seu próprio programa de rádio. Do alto dos milhões de discos vendidos por seu quarteto, ele teria cacife suficiente para reivindicar espaço em qualquer grande estação do país. Mas Portugal optou por um caminho diferente. Ele decidiu veicular o Frente, programa calcado em bandas iniciantes e artistas lançados por selos independentes, apenas na internet. O programa é acessado diariamente por cerca de 2.000 pessoas, sedentas por "revelações" como o trio gaúcho Pata de Elefante ou a cantora mineira Érika Machado. A atração também chamou a atenção de olheiros das companhias de discos. A Universal decidiu contratar o quarteto carioca Moptop, um dos destaques das seleções tocadas por Portugal. Só recentemente o Frente passou a ser transmitido por uma emissora convencional, que pode ser sintonizada em cidades como Belo Horizonte, Recife e Fortaleza. "Mas não abro mão do meu espaço na internet. É uma tendência sem volta", diz o músico. De fato, as rádios virtuais são uma atividade florescente em todo o mundo. Nos Estados Unidos, não são incomuns casos como o da Woxy. Cultuada pelos admiradores de rock alternativo, ela enfrentava problemas financeiros quando sobrevivia apenas como emissora nos moldes tradicionais. Reinventou-se, contudo, graças à internet.

Na rede, consome-se música das mais variadas formas. Há a possibilidade de baixar canções e discos inteiros no computador, pagando por isso ou de maneira ilegal. Pode-se ainda compartilhar os sons preferidos com outras pessoas nos sites de relacionamento. Ou ouvir (e também veicular) os chamados podcasts – arquivos capazes de armazenar toda uma seleção musical. Essas ferramentas têm em comum o fato de que cabe ao ouvinte garimpar e ordenar o que deseja. Aí está o diferencial das rádios virtuais: sua utilidade reside em organizar uma infinidade de nichos musicais. Tome-se o caso da inglesa LastFM. Ela dispõe de um catálogo intimidante até para o mais fervoroso musicólatra: são 65 milhões de faixas de 350.000 estilos. Mas basta o fã digitar o nome de um artista em sua barra de busca para que a própria emissora elabore, automaticamente, uma seqüência de canções afins com aquilo que interpreta ser o gosto do ouvinte. Ao criar esses "pacotes" personalizados, a LastFM revela-se também um meio fantástico para quem está à procura de novidades do mesmo calibre. Isso, com um nível de acerto impressionante.

O universo do rádio na internet é vasto. Ele abarca desde a programação das estações de massa até as transmissões mais mambembes. Ainda que possa oferecer um conteúdo segmentado, o rádio convencional é um veículo sujeito às demandas do mercado. Na internet, tudo muda de figura. Como notou o jornalista americano Chris Anderson no livro A Cauda Longa, a rede é uma vitrine com capacidade ilimitada de expor produtos culturais – desde um megassucesso até aqueles que serão consumidos por uma ou duas pessoas, se tanto. Por essa natureza, tem sido um terreno especialmente fértil para os estilos alternativos. "O tipo de música que a gente toca não atrai muitos ouvintes. Então, por que gastar dinheiro para manter no ar uma rádio comum?", justifica Bryan Jay Miller, um dos donos da Woxy – que deixou de operar no dial em 2004 e hoje só existe no mundo virtual. Trata-se de um caldo de cultura que encontra sua expressão máxima nas college radios – as rádios universitárias americanas sem fins lucrativos, cuja especialidade é executar os artistas mais obscuros. Isso não implica ser impopular. Há emissoras estudantis influentes como a KCRW, considerada um celeiro de revelações do pop – ela lançou para o mundo, por exemplo, o grupo inglês Coldplay. A internet permitiu elevar a uma escala global o alcance de rádios como essa. Nela, a KCRW atinge 1,8 milhão de ouvintes por mês, do Brasil ao Japão.

O caminho inverso também ocorre: graças à rede, artistas e DJs de países como o Brasil conseguem levar sua produção aos mercados alternativos de outros lugares, o que era complicado até não muito tempo atrás. Mistura de rádio e site de notícias, o Radiola Urbana, do jornalista Ramiro Zwetsch, tem hoje entre seus ouvintes jovens da América Latina, da Polônia e de países da Escandinávia. Outra experiência nacional bem-sucedida é o Coquetel Molotov, programa criado no Recife e que se desdobrou em fanzine e selo independente. A proliferação dessas rádios esbarra, contudo, na questão da regulamentação. Na Europa e nos Estados Unidos, esse processo de organização mal começou – nem existe, ainda, um levantamento confiável do número de rádios virtuais nesses locais. Mas, ao menos, muitas emissoras virtuais pagam direitos autorais sobre a execução das músicas. No Brasil, empreitadas como a de Henrique Portugal, do Skank, são um exercício de puro diletantismo. Não há nenhuma regra para o funcionamento dessas emissoras, nem controle do que elas tocam. Que dirá formas de lucrar com elas.


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