Japão decide criar certificado para dizer
qual é a autêntica comida japonesa
Thomaz Favaro
Fernando Moraes |
Tradicionalista, Shigeru Hirano critica inovações: "Chame do que quiser, menos de sushi" |
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A culinária é o produto cultural japonês de maior expansão global. Estima-se que existam mais de 20.000 restaurantes de culinária nipônica fora do Japão, e a previsão é que o número dobre até 2009. O que o governo japonês acha disso? Bem, pode-se dizer que chegou à conclusão de que é hora de separar o sushi do shoyu. No mês passado, as autoridades anunciaram a criação de um certificado de autenticidade a ser conferido aos restaurantes fiéis à tradição culinária japonesa. O objetivo é duplo. O primeiro é preservar a cultura milenar personificada em bolinhos de arroz. O segundo, criar um circuito mundial de casas cuja certificação sirva de referência para fregueses interessados em autenticidade. A questão é como fazer isso. As regras para a certificação ainda não foram estabelecidas, mas diplomatas japoneses já compilaram uma lista informal do que consideram os principais pecados cometidos por restaurantes nos Estados Unidos e na Europa. Entre as heresias estão os sushis com cream cheese – até recentemente os laticínios tinham no Japão apenas uso medicinal – e a existência de pratos coreanos, vietnamitas e tailandeses no cardápio.
A decisão de criar o certificado de autenticidade, que deverá estar pronto no próximo ano, foi saudada pelos puristas da cozinha nipônica. Muitos sushimen, inclusive no Brasil, torceram o nariz. Não vêem sentido em estabelecer regras tradicionalistas para uma culinária que só tem ganhado com a influência de outras culturas e com a inclusão de novos ingredientes. São três as principais razões para o sucesso mundial da comida japonesa. A primeira está relacionada ao cuidado com o visual na apresentação dos pratos e ao perfeccionismo no corte e preparo dos alimentos. A segunda é a reputação de alimentação leve e saudável, rica em proteína e com baixos teores de gordura e calorias. Por fim, trata-se de uma cozinha diferente sem ser excessivamente exótica – salvo exceções, como as opções com animais vivos, dificilmente encontradas fora do Japão.
O que deixa os puristas de cabelo em pé é justamente o fato de que, para darem conta da demanda, muitos restaurantes acabam por contratar novatos com pouca ou nenhuma familiaridade com a cozinha nipônica. Há também a preocupação com a substituição dos ingredientes originais para baratear os custos. Existem restaurantes brasileiros que servem sushis com arroz do tipo agulhinha, em lugar do original japonês. A troca altera irremediavelmente o sabor e a consistência das peças. Do lado negativo, a certificação pode inibir a inovação nos bons restaurantes, tão importante na popularização da cozinha japonesa. Para a adaptação a paladares distintos (e distantes), as receitas nipônicas ganharam aromas e temperos que não existiam no Japão.
Lailson Santos |
URAMAKI COM PIMENTA O enrolado de atum batido com maionese e cebolinha leva pimenta-vermelha. Os puristas da culinária japonesa rejeitam esse prato por causa da maionese e da pimenta |
No Brasil, a quantidade de açúcar no arroz foi reduzida para atender um público avesso a comidas agridoces. A falta de sal é compensada pelo uso excessivo do molho de soja, o shoyu. Utilizado com parcimônia no Japão, o condimento caiu no gosto do brasileiro. Algumas adaptações deram origem a novos pratos que hoje enriquecem a culinária nipônica. "No Brasil, quando os restaurantes saíram dos redutos dos imigrantes japoneses, os chefs passaram a fazer maior uso da licença poética", diz Jo Takahashi, diretor de arte e cultura da Fundação Japão, em São Paulo. Os sushimen nordestinos criaram os sushis de carne-seca, goiabada e queijo de coalho. "Essas invenções me dão vontade de chorar. Pode chamar do que quiser, mas não de sushi", diz o japonês Shigeru Hirano, dono do restaurante paulista Tanuki.