Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 02, 2006

A política do cachorro único


Agora, cada casa em Pequim só
pode ter um. E de pequeno porte

Vítimas da Revolução Cultural que engessou o país nas décadas de 60 e 70, por ser considerados símbolos de comportamento burguês e competidores pela comida escassa, os cachorros de estimação sumiram da China, justamente uma terra de grandes apreciadores de cães (gastronomicamente falando, inclusive), origem do pequinês, que durante séculos foi animal exclusivo do palácio imperial, do pug e de outras raças nobres. Passada a fase radical, instalada outra linha ideológica e reabilitada a classe média, os cãezinhos de madame voltaram a reinar, como companhia preferencial de crianças que são filhos únicos, de idosos que pouco vêem o filho único e de casais ainda sem filho único. Em Pequim, cidade de 12 milhões de habitantes, existem hoje cerca de 500.000 cachorros devidamente registrados e outros tantos na, digamos, ilegalidade (em São Paulo são 3,7 milhões, mas a revolução cultural não chegou aqui). Mesmo assim, nunca houve uma liberação geral da posse de companheiros caninos – e agora as autoridades chinesas resolveram aplicar ao pé da letra as resoluções pertinentes à cachorrada. Decreto baixado em novembro determina que, na cidade inteira, cada família, já encolhida pela política oficial de um filho só, poderá ter em casa um cão só; em oito regiões da cidade, esse cão não pode passar dos 35 centímetros de altura, o tamanho de um beagle.

 

AP
Extermínio em Yunnan: mais de 50 000 animais mortos, muitos a pauladas
As leis caninas existem desde 2003 e estão sendo reativadas por causa do aumento dos casos de raiva – foram 1.735 mortes no país entre janeiro e agosto deste ano, quase 30% a mais que no mesmo período de 2005. Num oceano humano de 1,4 bilhão de pessoas, é relativamente pouco, mas a atual obsessão nacional chinesa é deixar tudo impecável para os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim. Nos dias seguintes à publicação da ordem nos jornais, a polícia começou a bater na porta de donos de cachorros e o pânico se instalou na cidade. Entre abril e julho, uma seqüência de mortes por raiva na província de Yunnan levou policiais a exterminar exatos 54.429 cães (chineses também são obcecados por estatísticas), muitos deles a pauladas, em plena rua, às vezes na frente dos donos. Nada parecido acontecerá em Pequim, garantem as autoridades. As visitas são só para esclarecer os donos sobre a necessidade de registrar e, por tabela, vacinar os "ilegais" (custa o equivalente a pesados 250 dólares, mais renovação anual de 60 dólares) e remover os excedentes e fora de tamanho para algum lugar no interior. Escaldados, os donos de cachorros de estimação – que sustentam cerca de 300 pet shops em Pequim, onde tratam seus bichinhos com festinhas de aniversário, xampus semanais seguidos de escova, roupinhas e outros mimos com que os humanos cobrem os caninos em toda parte – retomaram o hábito de passear com seus totós na calada da noite, em cantos escuros, enquanto torcem para que a lei retorne ao limbo em que estava até recentemente. Sobre a hipótese de que os bichinhos se transformem de companhia em comida: cães servidos como iguaria são de um tipo criado especificamente para esse fim e deglutidos apenas em certas regiões da China.

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