Artigo - |
O Estado de S. Paulo |
10/12/2006 |
"Nunca antes em nossa história estas forças tinham se apresentando tão unidas contra um candidato como acontece hoje. São unânimes em seu ódio contra mim - e eu recebo com alegria esse ódio. (...) Gostaria que se dissesse de meu primeiro governo que, nele, as forças do egoísmo e da cobiça de poder encontraram um adversário à altura. Gostaria que se dissesse de meu segundo governo que, nele, estas forças encontraram quem as dominou." O trecho acima é de discurso de Roosevelt, quase ao final da campanha por sua reeleição em 1936, citado no excelente livro de Roy Jenkins em capítulo intitulado As elusivas ambigüidades do primeiro mandato. Jenkins nota que o discurso era de forma muito diferente dos utilizados na primeira campanha (1932): "Então, era atender a todos. Agora, uma minoria (poderosa) tinha que ser provocada para estimular a maioria. A tática funcionou brilhantemente." Roosevelt foi eleito com 61% dos votos. Mas no capítulo seguinte, sobre o segundo mandato, intitulado Reveses: políticos e econômicos, Jenkins nota que Roosevelt, "apesar da magnífica vitória eleitoral, iniciou seu segundo mandato pelo caminho da frustração". Conseqüência, entre outros fatores, de uma confrontação política com a Suprema Corte, que pretendia reformar. O malogrado esforço de Roosevelt - durante os cinco meses iniciais de seu governo - acabou se revelando desnecessário. O passar do tempo permitiu a Roosevelt terminar com um grupo de juízes que não mais contestava suas iniciativas. Mas, paradoxalmente, com um Congresso muito mais relutante em aprová-las, nunca respondendo automaticamente às iniciativas do Executivo. Afinal, era o segundo e, para muitos, o último mandato do presidente. Qualquer semelhança é, obviamente, mera coincidência e curiosidade histórica. Afinal, passaram-se 70 anos, os EUA e o mundo dos anos 30 não têm que ver com os EUA e outros países no mundo de hoje, e Roosevelt era... Roosevelt. Mas os parágrafos acima servem como ilustração de que nem sempre as transições do primeiro para um segundo mandato são tranqüilas, mesmo após uma vitória expressiva nas urnas. Tal é a situação do Brasil neste final de 2006, como se vem dando conta o presidente Lula ao se defrontar com as dificuldades de preparar um novo governo para os próximos quatro anos. Tendo de lidar com as ambigüidades de sua própria herança, com as expectativas geradas pelas promessas de campanha, e pelos desejos de compartilhar efetivamente o poder por parte de outras forças políticas além do PT, hoje despido de sua antiga aura de vestal. E transformado numa pálida sombra daquilo que pensava que era. A novela da crise do controle de vôos a que o País assiste, pasmo, há semanas poderia servir como uma metáfora, daquelas tão a gosto de nosso presidente, sobre os não triviais problemas de coordenação envolvidos na difícil arte de governar um país da complexidade do Brasil. Não será fácil a montagem de um Ministério de 35 e da menos visível aparelhagem a ela associada - como bem mostrou a experiência dos últimos quatro anos. É de registrar a relativa solidão com que o presidente se dedica à tarefa - que chamou a si -, tendo perdido praticamente todo o seu núcleo duro original ao longo do primeiro mandato. Mas, político intuitivo e experiente, o presidente Lula certamente sabe que estará jogando seu segundo mandato agora, na montagem de seu governo para enfrentar 2007, o ano definidor de seu próximo quadriênio, como foi 2003, do ponto de vista econômico, em seu primeiro mandato. Na verdade, em 2003, foi seu apoio ao ministro Palocci - apesar de intenso fogo companheiro - que permitiu que o governo estabelecesse, gradualmente, suas credenciais de responsabilidade na condução da política macroeconômica. E fosse recompensado nas urnas em 2006 por uma maioria que finalmente entendeu que o controle de inflação lhe era benéfico, ao preservar o poder aquisitivo de salários e transferências diretas de renda. Mas, como notou Rosângela Bittar em A arte de mudar negando mudanças (Valor, 24/5), a consistência dos sinais sobre a condução da política econômica que o ministro Palocci conseguiu assegurar por cerca de três anos começou a mudar em 2006. Apesar das reiteradas afirmações do "nada muda", o fato é que mudaram, sinalizações e decisões, em particular na área fiscal, com aumentos de gastos públicos correntes que se projetam para 2007 e adiante. E que consistem hoje em legítima fonte de preocupação - e não de "fiscalistas", mas de pessoas preocupadas com a criação de bases para a retomada dos investimentos privados e públicos, sem os quais não teremos o crescimento duradouro que se deseja para o País. E que não será alcançado com aumento de gastos públicos correntes, tampouco com atos de vontade, declarações de intenções, exortações ministeriais e determinações ou discursos presidenciais, como vêm mostrando a experiência e - felizmente - o debate público recente. O fato é que a confortável situação de balanço de pagamentos, a redução significativa das vulnerabilidades externas do País (ensejada pelo contexto internacional favorável) e a benigna situação no front da inflação significam que o espaço para errar existe - e, para muitos, ampliado. Há um discernível clamor por utilizar este espaço com ousadia. Afinal, para muitos, foi a ousadia das decisões de gasto de 2006 que teria permitido a expressiva vitória nas urnas. Por que não interpretar a vitória como uma licença, ou mesmo um mandato, para maiores ousadias? Ninguém pode ser contra coragem e ousadia, desde que haja responsabilidade, visão de estadista e racionalidade nas ações tidas como ousadas e corajosas. Como em Roosevelt, que sabia distinguir entre ganhar uma eleição e governar. Em tempo: só em 1940, o PIB (nominal) norte-americano superou o nível que havia alcançado em 1929. Apesar de toda a ousadia do presidente em seus dois primeiros mandatos. Feliz 2007 a todos. Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC. E-mail: malan@estadao.com.br |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, dezembro 11, 2006
Pedro S. Malan Transição turbulenta e espaço para errar
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