Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 05, 2006

O projeto de Chávez

O projeto de Chávez

editorial
O Estado de S. Paulo
5/12/2006

O presidente Hugo Chávez, que acaba de se reeleger folgadamente para mais um mandato de seis anos, não ilude o seu eleitorado. O seu “projeto bolivariano” está definido há anos e ele não tem se afastado um centímetro do plano que traçou quando disputou as eleições de 1989, depois de liderar duas tentativas fracassadas de golpe militar.

Os primeiros oito anos na presidência não foram mais que um período de transição para o que ele chama de “socialismo do século 21” e também de “bolivarianismo”. Ninguém sabe exatamente o que significam esses termos, mas todo mundo sabe quais são os objetivos do coronel. Usando as vulnerabilidades da democracia, Hugo Chávez conseguiu o controle quase absoluto da máquina governamental e das instituições do Estado – controla integralmente o Judiciário e o Legislativo e só não tem o controle total dos Estados – e intimidou ou cooptou a grande maioria dos meios de comunicação.

Agora começa o processo propriamente dito de implantação do “socialismo”. É evidente que do socialismo clássico, de esquerda, Hugo Chávez só tem o discurso. De fato, um de seus tutores políticos foi um conhecido militante da extrema direita peronista e entre os seus ídolos, um pouco atrás de Bolívar, está o general peruano Velasco Alvarado. Não é à toa que o político esquerdista venezuelano Teodoro Petkoff afirma que o discurso de Chávez é “uma mistura de stalinismo tresnoitado com fascismo. Em sua conduta há evidentes elementos fascistóides, como o culto à violência como instrumento da política e o culto da tradição heróica”.

Mas a verdade é que, quando se trata de construir a “nova sociedade”, ou o “novo homem”, os radicalismos da esquerda e da direita desembocam nas mesmas fórmulas. Antes mesmo de ser reeleito, Chávez anunciou que proporá o que ele chama de “reeleições indefinidas”. Não quer ser rei, adverte, mas não abrirá mão de permanecer no poder pelo menos até 2021, talvez até 2030. Também já anunciou a criação de um “partido único” – mas, como é um democrata, foi logo avisando que se referia às forças que o apóiam, e não às oposições. É bem verdade que também comunicou ao distinto público que há uma revolução em curso e “não há outro projeto possível na Venezuela”.

Já deixou claro que promoverá uma reforma no sistema educacional, para ensinar às crianças, desde tenra idade, os “valores da revolução”. O sistema bolivariano de pensamento único será também aplicado aos serviços públicos de saúde, onde já atuam alguns milhares de “asesores” cubanos.

Mas o mais surpreendente é que Chávez pretende acabar com o capitalismo na Venezuela, substituindo-o por um sistema de escambo, principalmente nas comunidades carentes. E o que surpreende não é o fato de alguém pretender, em pleno século 21, instituir um sistema que foi usado no mundo pré-feudal, antes da monetização da economia. É o fato de esse alguém ser Hugo Chávez, o governante cuja política econômica tem proporcionado riquezas nunca sonhadas pelos capitalistas venezuelanos. Naquele país, duas atividades, além da petrolífera, vão de vento em popa: o jogo na Bolsa de Valores, cujo índice, este ano, já teve alta de cerca de 130%; e a bancária, com depósitos que cresceram 84% nos últimos 12 meses.

Enquanto cresce a “boliburguesia”, como os venezuelanos chamam ironicamente a burguesia que floresce à sombra do bolivarianismo, a pobreza aumenta assustadoramente no país. Com Chávez no poder, o número de venezuelanos que estão abaixo do nível de pobreza aumentou cerca de 40%. No entanto, o lumpemproletariado apóia Chávez entusiasticamente.

Isso ocorre porque, em primeiro lugar, o coronel fala a linguagem das massas. Depois, porque ele criou programas assistenciais – à semelhança do Bolsa-Família de Lula – que distribuem dinheiro. E, finalmente, porque institui as “misiones”, que dão à população pobre serviços de saúde e educação, e os “mercales” estatais, que fornecem mantimentos da cesta básica a preços de 30% a 40% mais baratos que os supermercados.

Chávez pratica, em tudo e por tudo, o populismo escrachado do presidente Carlos Andrés Perez, que ele tentou derrubar – também sustentado por um boom de preços do petróleo.

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