Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 05, 2006

A agenda política de Chávez

A agenda política de Chávez

Artigo - Norman Gall
O Estado de S. Paulo
5/12/2006

Foi uma vitória estrondosa. O presidente Hugo Chávez, da Venezuela, usou de todos os recursos e benesses do Estado petroleiro para ganhar a eleição de domingo com 61% dos votos válidos, contra 38% de seu principal opositor, o governador Manuel Rosales, do Estado de Zulia. Além da grande vantagem em gastos de campanha, Chávez gozou de 22 vezes mais tempo na televisão que Rosales, mas recusou seu desafio para um debate na TV.
Essa vitória consolida o poder político de Chávez, que já controla as principais instituições de governo, incluindo a Petróleos de Venezuela (PDVSA), as Forças Armadas, o Legislativo, o Judiciário e a máquina eleitoral. Seu controle é reforçado pela presença cubana nos aparelhos de segurança do Estado.
Um político veterano que foi prefeito da cidade de Maracaibo antes de governar o Estado petrolífero de Zulia, Rosales pôde fazer campanha por apenas três meses após surgir como candidato de unidade da oposição, acima das rivalidades de outros pretendentes.
Ele reconheceu a vitória de Chávez, mas protestou que a diferença de votos foi menor que a anunciada oficialmente: "Falo como democrata, mas também como lutador. Foi uma batalha dura, com uma desvantagem injusta, contra todas as estruturas do Estado. Mas não somos estúpidos. A margem foi muito menor que isso." Já com o mandato renovado por seis anos como presidente constitucional, Chávez vai ser testado em quão longe ele conseguirá ir em sua anunciada radicalização nos esforços de impor à Venezuela "o socialismo do século 21".
Celebrando sua vitória, e evocando o nome de Pancho Villa e Jesus Cristo, Chávez anunciou: "Hoje começa uma nova era. A idéia central dessa nova era será o aprofundamento e a expansão da Revolução Bolivariana no caminho ao socialismo." Primeiro, Chávez anunciou este ano que vai formar um partido único da "Revolução Bolivariana" para fundir as vários facções de ex-comunistas e ex-militares que compõem seu movimento. Vai ser difícil fazer funcionar essas facções num movimento corrente. Também anunciou que vai tentar uma mudança em sua Constituição Bolivariana "para eliminar as restrições às reeleições sem limite" do presidente. Esse anúncio sobre as reeleições ilimitadas foi recebido com cautela e frieza por muitos de seus seguidores, temerosos de uma ditadura formalizada. E se desconhecem as intenções de Chávez sobre cumprir ou não sua ameaça de não renovar as licenças de operação das estações de TV que lhe fazem oposição.
Além dessas metas ambiciosas em sua pauta, Chávez terá de enfrentar problemas imediatos que tem negligenciado. A violência na Venezuela está fora de controle, com a mais alta taxa de mortes à bala no mundo. A desorganização da sociedade está agravado pela mais alta inflação da América Latina, apesar de controles de câmbio e de preços. A oferta monetária tem-se expandido nos últimos 12 meses a 66%, com inflação beirando os 15%. Faltam itens básicos de alimentação como açúcar, leite, café e carne, tanto em mercados de bairros como nos Mercal, a rede de supermercados subsidiados do governo.
Além do problema da inflação, Chávez terá de confrontar o colapso da infra-estrutura física da Venezuela, que se vem deteriorando há anos. Entre os principais problemas está o desmoronamento do viaduto que conecta a capital com as principais ligações com o mundo exterior: o Porto de La Guaira e o Aeroporto de Maiquetía, a 17 km de Caracas, na costa do Caribe.
Estão em condição crítica várias estradas e pontes por todo o país. A energia elétrica sofre freqüentes apagões, apesar de a Venezuela ter a Hidrelétrica de Guri, uma das grandes do mundo.
Um grande esforço e muito dinheiro estão sendo investidos nas "missões", programas e bolsas para que gente pobre possa ter acesso ao ensino fundamental, médio e superior, e às escolas bolivarianas, com infra-estrutura melhorada. Mas o currículo tem mais ênfase no conteúdo político que no conhecimento geral. O ministro da Educação, Aristóbulo Istúriz, ex-prefeito de Caracas, anunciou que 2007 será o "ano de consolidação do sistema de educação bolivariano", em que Chávez pretende converter todas as escolas públicas em escolas bolivarianas. Ao todo, 5.332 colégios já foram convertidos, beneficiando cerca de 960 mil alunos e 115 mil professores. Mais 300 devem ser reformados e reinaugurados até o final deste mês. O ministério prevê a construção de 1.693 novas escolas bolivarianas, que somadas às já existentes alcançarão 6.963 em todo o país. Pretende-se também aumentar as matrículas na educação infantil com meio milhão de novas vagas, para uma cobertura total de 1.536.576 crianças beneficiadas. Professores e especialistas vêm denunciando a ideologização do ensino pelo governo, ao que o ministro Istúriz respondeu publicamente, dizendo: "Estou, sim, politizando a educação. E daí?" Em discurso na reinauguração de um liceu localizado na periferia de Caracas, o presidente Chávez explicou que "os liceus bolivarianos devem ser espaços luminosos de construção do socialismo". É difícil perceber as possibilidades de novas iniciativas em política exterior. Este ano, os povos do Chile, do Peru, da Colômbia, do México e do Brasil votaram maciçamente a favor da estabilidade democrática, rejeitando os apelos de aventuras populistas. A derrota de Chávez no circo que montou para conseguir para a Venezuela um lugar no Conselho de Segurança nas Nações Unidas foi uma humilhação, após o esforço e o dinheiro gasto para conseguir aliados. A promessa de Chávez de construir o grandioso Gasoduto do Sul, com 8 mil km, atravessando o território brasileiro para ligar a Venezuela à Argentina, tem sido ridicularizada por técnicos e economistas.
Temido há um ano como uma ameaça à estabilidade democrática do restante da América Latina, Chávez aparece cada vez mais como um espantalho.

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