Energia pode obstruir crescimento econômico se debate sobre usinas nucleares na Amazônia não for logo enfrentado
NÃO É POR NADA que o caos no controle de vôo ganhou o sombrio epíteto de "apagão aéreo". O traumático racionamento de energia elétrica induzido pela incúria do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2001, ficou na memória nacional. Sob o presidente Lula, a inoperância ganhou asas -e nada impede que conduza a outros choques.Aqui e ali, repetem-se alertas dados como prematuros de que, ainda no segundo mandato, o país poderá chegar de novo ao limiar de um apagão -elétrico, mesmo. Setores dentro e fora do governo ridicularizam a previsão, assinalando que os reservatórios das hidrelétricas estão cheios, até 30% acima da média histórica de longo prazo.
É de lamentar que o debate se restrinja a círculos estreitos e tecnicalidades. Há pouco entrou em pauta o cálculo de risco para o fornecimento e se dele deveriam ser excluídas as termelétricas a gás sem combustível assegurado. Ministério de Minas e Energia (MME) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divergiram ácida e publicamente, um de olho na alta do preço, outra na do risco -como se ambos não estivessem enlaçados pela lógica.
Tal fenômeno é fruto de administrações sucessivas que se recusam a enxergar além do horizonte eleitoral. Sua agenda e seu ânimo terminam consumidos pela seqüência interminável de crises setoriais legada por deficiências de planejamento anteriores. Ora, no setor elétrico, não há soluções de curto prazo para a omissão (exceto racionamento).
Poucos fora da arena técnica sabem, mas o país conta com uma Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada em março de 2004 justamente para subsidiar o planejamento no setor. Por dever de ofício, tem o olhar voltado não para 2010, mas para as décadas subseqüentes. No final de novembro, a EPE causou surpresa quando veio a público que, num seminário interno do MME, emergira sua previsão de que não só uma (Angra 3) mas outras quatro usinas nucleares seriam necessárias, até 2030, para atender à demanda.
Há mais combustível para polêmica. Em prazo mais curto, o "Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015" produzido pela EPE conta com a entrada em operação de três grandes empreendimentos hidrelétricos na Amazônia que são objeto de cerrada oposição ambiental. No rio Madeira, as usinas Santo Antônio e Jirau têm mais probabilidade de completar em breve o processo de licenciamento, mas Belo Monte, no Xingu, está paralisada pela Justiça.
Os poucos que se aventuram a contribuir com visões alternativas a esse debate abstruso pedem mais atenção e investimento para conservação de energia, pequenas centrais, repotenciação, co-geração, usinas eólicas e fotovoltaicas. Por mais sentido que façam tais medidas, contudo, é duvidoso que possam suprir energia para o país crescer a taxas de 4% ou 5% anuais. Falta-lhes escala.
Nessa matéria, ademais, o que falta ao país é debate público e menos imediatista sobre qual energia aceita gerar e pagar para crescer. Não está em causa só o segundo governo Lula e uma neófita obsessão com a taxa de 5%, mas futuras gerações.