Editorial |
O Estado de S. Paulo |
12/12/2006 |
Diga-se o que se queira do presidente venezuelano Hugo Chávez, pelo menos ele tem sobre o seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva a vantagem de não ficar em cima do muro, quando entende ser necessário se pronunciar sobre realidades que discrepam de suas convicções, e de não se omitir, nem publicamente, para ser afável com o compañero, em prejuízo da imagem de firmeza e coerência na defesa dos seus pontos de vista. Não é pelo fato de Chávez ter compartilhado com o brasileiro de “uma boa taça de vinho”, para celebrar os respectivos êxitos eleitorais, quarta-feira à noite, no Palácio da Alvorada, e de ter se trancado 5 horas com ele, no dia seguinte, no Planalto, para o que teria sido, segundo o visitante, “uma conversa extraordinária, espiritual e profunda”, que Lula deveria baixar a guarda para o que dele pudesse esperar logo em seguida. No sábado, no encerramento da Reunião de Cúpula da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa) - uma casa mais dividida do que ousa reconhecer a maioria dos seus moradores -, o venezuelano tornou a mostrar o quanto a formidável intuição de Lula o abandona em situações em que o primeiro dá as cartas - dando-se ao luxo da gozação - e ao segundo só resta o amuo. Apanhado desprevenido, um perplexo presidente brasileiro ouviu Chávez exigir que “enterremos os nossos mortos”, como ele fulminou o Mercosul, uma das meninas-dos-olhos de Lula, e a Comunidade Andina, “duas máquinas que não servem para nada” para a integração continental. “Precisamos de um viagra político para essa integração”, exortou o coronel, sempre à vontade com metáforas do gênero. Não bastasse isso, esfregando sal na ferida por ele mesmo aberta na política externa lulista, pôs abaixo a sigla Casa, uma criação do chanceler Celso Amorim, sob o argumento de que ela “não significa nada”. Melhor seria Unasur, sugeriu, completando a provocação. Nomenclaturas à parte, não há como negar que Chávez disse muitas verdades na sua contundente alocução. O fato de que o modelo chavista de integração regional é tudo o que a América Latina pode perfeitamente dispensar não deve impedir que se reconheça o que de há muito deixou de ser um segredo de polichinelo: o fracasso do Mercosul e da Comunidade Andina. O desconcerto de Lula diante das estocadas do muy amigo foi evidente: se ele ficou “irritado”, como registraram todos os enviados da imprensa brasileira ao evento, não daria para saber, se dependesse apenas do tom quase conciliatório de sua resposta, que começou com a proposta de criação de uma Comissão de Reflexão (sic!). É bem verdade que o presidente disse que não aceitava “a negação do que estamos fazendo”. Mas, num exercício de contorcionismo verbal, disse também que o desejo de acelerar a integração “não nos obriga a negar” os avanços a seu ver conseguidos. E, como que em desespero de causa, apelou para que se saísse da reunião “apresentando uma cara política da integração”. Foi igualmente descolorida a sua objeção a Chávez, quando este arrasou com a outra menina-dos-olhos da diplomacia lulista, ao voltar-se contra a “lógica neocolonialista” da Iniciativa de Integração de Infra-estrutura da América do Sul, um conjunto de obras para a conexão física e energética dos países da área, que começou a ser concebido em 2002. A Iniciativa, segundo o venezuelano, “serve aos interesses das plataformas de exportação”. Lula apenas comentou que “uma coisa não nega a outra”. Só mudou de tom para dizer que Fernando Henrique competia com o argentino Carlos Menem em matéria de submissão aos EUA, para apoiar as bravatas antiamericanas de Chávez. Do episódio, fica a constatação, renovada e desacorçoante, de que o presidente brasileiro não perde oportunidade de perder oportunidades de ouro de emergir como uma liderança diversa da que o megalômano venezuelano pretende exercer, como campeão do antiimperialismo. Em vez de tentar competir com Chávez no seu terreno e fatalmente à sua sombra, melhor faria o pragmático Lula, para a maneira como almeja entrar na História e sobretudo para o interesse nacional, se tentasse projetar o Brasil não como uma contrafação terceiro-mundista, mas como nação cujo amadurecimento legitima e faz com que se respeite a sua conduta. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, dezembro 12, 2006
No que dá ficar à sombra de Chávez
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