Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Míriam Leitão - Verso e reverso



Panorama Econômico
O Globo
13/12/2006

Um diplomata brasileiro me pediu que não comparasse Fidel Castro e Augusto Pinochet. Acha que seria uma comparação injusta e incorreta. Para ele, Fidel é uma espécie de Julius Nyerere para a Tanzânia; um libertador que põe fim ao período colonial. Respeito o autor do raciocínio, mas discordo. Os governos Pinochet e Fidel foram parecidos no autoritarismo, no método de se livrar dos opositores. Um morreu; o outro está morrendo na mesma hora, como para lembrar suas semelhanças.

Parecem ser de pontos opostos da cena política, mas têm várias coisas em comum, além da hora da morte. Ambos deixaram algumas heranças boas. As reformas liberais de Pinochet ajudaram a fazer do Chile o que ele é hoje, os avanços da medicina e da educação em Cuba são inegáveis e invejáveis. Mas os dois escolheram a ditadura e o assassinato político para impor a ordem na qual acreditavam.

Os avanços de Pinochet não o absolveram, mas o Chile já fez a transição e está agora fechando a última página do livro do horror que foi o pinochetismo. Cuba ainda não discutiu o papel de Fidel - o que fará inevitavelmente nos próximos anos - e está diante da incerteza da transição para um futuro sem ele.

Para o diplomata brasileiro que ouvi, a única comparação possível é entre Fidel e Nyerere porque o tanzaniano, também longevo no poder, foi o fundador do país, praticamente. Fidel seria o mesmo:

- Cuba foi até 1902 uma colônia espanhola e, depois, passou a ser, na prática, uma colônia americana. Só com Fidel Castro passou a ser um país.

Pode ser. Mas é bom lembrar que, com Fidel, Cuba dependeu durante décadas da União Soviética; como agora precisa do subsídio venezuelano para sobreviver.

Fidel, até três anos atrás, matava adversários políticos condenados em processos duvidosos. Em 2003, foram para o paredón três cubanos que haviam seqüestrado um barco para fugir do paraíso de Fidel. O Brasil não condenou os últimos assassinatos de um regime caduco, porque, como disse o embaixador Tilden Santiago, é constrangedor comentar coisas que acontecem em família. Ou seja, os de casa podem tudo. Confirma o que se viu em outras áreas do mesmo governo.

O Chile ainda tem divisões, mas o futuro democrático está garantido. Cuba sem Fidel ainda é uma incógnita. Fidel eliminou - inclusive fisicamente - qualquer oposição ao seu regime no longo período castrista. Para esse integrante do Itamaraty, o governo de Fidel já acabou, e o país está agora no caminho da transição. Fidel nunca preparou sua sucessão. Foi seu pior erro. A tentativa de criar uma sucessão familiar lembra as velhas oligarquias de direita da América Latina, que ele, em sua juventude, tentou derrotar. Na recente comemoração dos 80 anos de Fidel, festa de corpo ausente, Raúl Castro foi à tribuna tentar substituir o irmão. Missão impossível. Ele leu o discurso. Inevitável comparar com a loquacidade dos improvisos de Fidel. Leu de forma insegura e sem uma chispa do charme magnético do irmão.

A explicação do diplomata: Raúl não quer, nem pode, ser um Fidel. A leitura do discurso mostra um novo estilo. A vantagem: durou apenas meia hora.

Raúl nunca será um novo "comandante", mas o risco de Cuba é perder os avanços sociais e ser invadida por interesses predatórios que não querem outra coisa se não recriar os tempos da Cuba cassino. Por outro lado, num governo mais livre e aberto, há boas perspectivas. Pode ser, por exemplo, um grande fornecedor de etanol. Redes hoteleiras americanas já se instalaram em grandes investimentos. Tem enorme potencial turístico, do qual já está se aproveitando. Tem chance de ser um novo Vietnã, no bom sentido. O Vietnã hoje floresce economicamente.

Fidel e Pinochet tiveram, por algum tempo, fama de democratas. Fidel foi aplaudido por democratas no mundo inteiro por encerrar o lamentável governo de Fulgêncio Batista. Pinochet era considerado chefe de um exército democrático. No governo Allende, não foram poucos os analistas que consideraram que o Exército chileno era diferente dos outros da América Latina porque defendia as instituições democráticas. O sangrento golpe chefiado por ele mostrou quão vãs eram essas análises.

Fidel e Pinochet têm mais uma coisa em comum: ambos provam que os fins não justificam os meios. Pinochet fez várias reformas que modernizaram o Chile, mas o preço pago pelo país e pelas instituições foi tão alto que, na hora de sua morte, o balanço foi altamente negativo. Ele já está condenado pela História. Cuba tem indicadores educacionais e de saúde invejáveis. Está sempre entre os melhores das Américas nos rankings de mortalidade infantil e alfabetização. Mas Fidel governou o país como se fosse a fazenda dele, e não uma nação com vontade própria. Será chorado na sua morte e terá um funeral grandioso - diferentemente de Pinochet -, mas qualquer análise que se fizer sobre ele, sem as paixões que ainda desperta, mostrará a face de um ditador como outro qualquer, que confundia crítica ao governo com traição à pátria; que preferia matar os opositores a conviver com a diversidade de pensamento. O funeral de Pinochet mostra o fervor dos seus ainda adeptos, mas eles são minoritários. Para a maioria do Chile, ele é apenas o último símbolo de um tempo sombrio.

Juntos, Fidel e Pinochet confirmam - por reverso - que a democracia é o melhor dos regimes políticos. Não há avanço econômico, nem ganhos sociais que justifiquem a perda da liberdade.

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