O Globo |
13/12/2006 |
A nova derrota sofrida pelo governo, agora com relação ao aumento do salário mínimo, que ficou em R$375 com o apoio da maioria da base aliada e da oposição, serve como pretexto para uma tentativa de discussão sobre as linhas ideológicas que regem o atual governo brasileiro, tão confuso quanto seus pares na América Latina. Se conceitos políticos como "direita" e "esquerda" pareciam anacrônicos para as necessidades do mundo moderno, a tentativa de ressuscitá-los só trouxe mais confusão. Governos como o de Hugo Chávez na Venezuela, tidos como de esquerda, não passam de populistas, enquanto no Brasil o governo de Lula consegue se equilibrar entre uma política econômica neoliberal e programas sociais populistas, e ainda assim ser considerado de esquerda. Mesmo Lula sabe que não é esquerdista, e abriu a semana dizendo que quem tem cabelos brancos e é esquerdista tem algum problema. O relatório da ONG Latinobarômetro deste ano identificou uma nova geografia eleitoral na América Latina, contrapondo ricos contra pobres, embora com nuances mais complexas que a simples luta de classes tradicional. Assim como notamos profundas mudanças nas bandeiras de luta da esquerda e da direita nas últimas disputas eleitorais na região, diz o relatório do Latinobarômetro, os resultados mostram um alinhamento geográfico-político que terá conseqüências para as políticas públicas a serem aplicadas no futuro. As eleições teriam explicitado, na visão do Latinobarômetro, a existência de várias nações dentro dos países, com uma alta correlação entre o voto, nível sócio-econômico e lugar de residência. Saindo da América Latina, até mesmo nos Estados Unidos a vitória dos democratas nas eleições congressuais de novembro acrescentou tons populistas a uma disputa eleitoral que é restrita a dois partidos e da qual se dizia que pouca diferença fazia a vitória de um democrata ou republicano. A vitória de Bush em 2000 já mostrara que não é bem assim, e o troco dos eleitores, dando a maioria do Congresso aos democratas, mexeu mais ainda com o quadro político. É verdade que o termo "populismo" usado nos Estados Unidos pouco tem a ver com o nosso populismo latino-americano, mas tem laços de união, assim como a guerra do Iraque tem tanto a ver com a prevalência de candidatos ditos de esquerda na América Latina quanto com a vitória dos democratas nos Estados Unidos. A atitude do presidente Lula durante o ano eleitoral, aumentando o salário mínimo a índices inéditos e distribuindo programas assistencialistas pelas regiões mais pobres do país, mistura características típicas do populismo latino-americano com o norte-americano. Ao tentar reduzir o aumento do salário mínimo previsto no Orçamento para o próximo ano, feito sob fluidos eleitoreiros, o presidente Lula se viu diante de uma típica ação populista da Câmara, que manteve o valor mais alto contra as indicações do Tesouro. O cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, lembra que os conceitos norte-americano e latino-americano de populismo são totalmente distintos. Na América Latina, populista é aquele governante que atinge e exerce o poder por meio de uma relação direta entre ele e a massa: Hugo Chávez, Perón, Getúlio Vargas, Brizola, e agora o Lula da reeleição. "Nos Estados Unidos não existe isso, você tem uma intermediação partidária fortíssima. O populismo nos EUA tem mais a ver com o que eles chamam de liberalismo, que é uma certa irresponsabilidade fiscal". Só para confundir mais ainda, o liberalismo no linguajar político norte-americano está mais ligado a uma visão de esquerda, e também não é nada parecido com o que o liberalismo significa no vocabulário político latino-americano e europeu. Tanto que o PFL faz parte de uma associação internacional de centro que congrega, entre outros, o Partido Republicano. Amorim Neto lembra que já se associou na América Latina populismo a irresponsabilidade fiscal, "mas esse debate está superado e hoje populismo é uma forma de alcançar o poder e de exercê-lo". Nos Estados Unidos, define ele, tem mais a ver com políticas, ou seja, "uma política fiscal mais frouxa, gastar mais, e tributar mais". A primeira coisa que os republicanos fazem ao chegar ao poder, ressalta Amorim Neto, é cortar imposto dos mais ricos, enquanto os democratas procuram oferecer isenções de impostos para a grande classe média americana. O populismo latino-americano tem a ver com a falta de organizações que façam intermediações entre o presidente e o eleitorado, e isso não existe nos Estados Unidos, onde você tem a política completamente dominada por dois partidos, acrescenta Amorim Neto. Analistas da política norte-americana acham que, embora a questão econômica não aparecesse como tema prioritário na campanha para a Câmara e o Senado, cada democrata que tirou o lugar de um republicano trabalhou o desconforto econômico sentido pela classe média americana. Os democratas teriam competido como verdadeiros "populistas econômicos", o que provocou uma crítica do "The New York Times", considerando que o populismo superou a ideologia na plataforma democrata deste ano. O senador eleito por Ohio Sherrod Brown definiu bem a situação: "Chegamos aonde chegamos porque não concorremos como republicanos-light, mas como democratas populistas na economia". E os planos dos democratas são todos ligados ao dia-a-dia dos cidadãos comuns, como aumento do salário mínimo ou mudanças no sistema de saúde para beneficiar os usuários. (Continua amanhã) |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, dezembro 13, 2006
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