Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 12, 2006

Míriam Leitão - O que aprendemos


Panorama Econômico
O Globo
12/12/2006

Os que eram jovens naquele terrível 11 de setembro de 1973 aprenderam que uma ditadura é uma ditadura. Nada há que a absolva, abone, ou mesmo amenize seus crimes. O desempenho econômico do general Pinochet foi pior que o da democracia. Fazer reformas econômicas depois de matar 3.000 adversários políticos, calar a imprensa, prender e torturar intelectuais, artistas e estudantes é fácil. Difícil é fazer o que a democracia chilena tem feito na busca do progresso econômico, social e político.

O desempenho econômico da ditadura chilena foi errático: teve momentos de crescimento e fortes recessões. Tanto que terminou com um crescimento médio do PIB de 2,7% a 2,8%. A democracia, apesar da pequena recessão de 1999, teve um desempenho superior: crescimento médio ao ano de 5,6%. Ao fim da ditadura militar, o país tinha 25,7% de pobres na população e mais 12,9% de indigentes. Os governos civis reduziram para 14,1% de pobres e 4,7% de indigentes. Isso segundo dados de várias fontes tirados de uma apresentação do sociólogo chileno José Joaquín Brunner. Ainda assim, o Chile não está satisfeito. A presidente Michelle Bachelet tem prometido aprofundar as políticas sociais para reduzir a pobreza e a desigualdade.

O avanço educacional em Pinochet foi alto, mas as reformas continuaram na democracia, e hoje o Chile é um dos países da região com maior escolaridade e menor índice de analfabetismo. O grande mérito da educação está nos valores do povo chileno. Numa pesquisa feita pelo Pnud, quando perguntados que oportunidades o Chile mais criou, 73,7% responderam que era "para estudar". Diante da pergunta sobre que projetos gostariam de realizar, 59% responderam "voltar a estudar". Quando perguntados sobre que elemento ajuda mais na realização dos planos, 47% disseram "educação"; e 24%, "dinheiro".

A democracia chilena teve a sabedoria de não jogar no lixo, por maior que fosse a divisão do país, os eventuais acertos.

A abertura econômica, por exemplo, foi uma decisão drástica do governo militar que derrubou as tarifas de 100%, em média, para 10%. Isso num mundo todo protegido, como era o comércio internacional na década de 1970, produziu efeitos perversos. Tanto que, nos anos 80, as tarifas até voltaram a subir um pouco. Os governos da coalizão mantiveram e aprofundaram a abertura comercial nos anos seguintes, triplicando o valor exportado.

A democracia tirou entraves que a ditadura não conseguia eliminar. Mesmo sendo uma economia aberta ao capital estrangeiro, a incerteza política de um regime de força desanima investidores. A taxa de investimento saltou de 16%, na média do regime militar, para quase 24% nos governos civis. A democracia conseguiu ampliar fortemente a posse de bens e serviços públicos. Universalizou a água potável, quase universalizou o acesso à energia elétrica, reduziu a mortalidade infantil a níveis iguais aos dos países ricos.

Pinochet, mesmo depois de afastado do poder, continuou a tutelar as instituições; sobretudo as Forças Armadas. Foi perdendo influência aos poucos, principalmente depois que se revelou que, além de tudo, era corrupto. Mesmo assim, ainda era um símbolo. Sua morte abre chances para que o país se reconcilie. Os próximos dias vão mostrar ainda cenas de divisão, mas a democracia já venceu definitivamente. O Chile está se livrando de um fantasma que assombrava ainda a vida política do país. Agora poderá olhar o futuro com mais confiança e esperança. A lição que fica para uma América Latina, hoje quase toda democrática, mas ainda ameaçada por alguns aprendizes de tiranos, é que não há reforma econômica ou avanço social, por mais desejável que seja, que valha a perda dos direitos civis. Só as mudanças feitas na democracia são realmente duráveis.

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