O Globo |
12/12/2006 |
A revista inglesa "The Economist" faz no último número interessante paralelo entre o fim de dois ditadores simbólicos da América Latina no momento em que floresce na região a democracia. Com a divulgação do último levantamento do Latinobarômetro, ONG sediada no Chile que faz pesquisas regularmente, desde 1995, sobre valores e opiniões na região, ficou evidenciado que há um sentimento generalizado favorável aos regimes democráticos na América Latina, tendência menos presente em pesquisas realizadas anos atrás. As mortes de Pinochet, no Chile, domingo, e Fidel Castro, em Cuba, esperada para qualquer momento, depois que ele, com um câncer terminal, não teve forças para aparecer em público nas comemorações do 80º aniversário, encerrariam simbolicamente o momento histórico em que a região foi dominada por ditaduras. Representações máximas da direita e da esquerda políticas, os dois transformaram-se em "relíquias" deslocadas no tempo, segundo a revista, diante da série de eleições democráticas realizadas na região no último ano, com nada menos que 12 países indo às urnas. Três anos de crescimento econômico fizeram com que a taxa de apoio ao regime democrático subisse no Latinobarômetro para 58%, cinco pontos a mais que no ano passado, mas ainda cinco pontos a menos que em 1997, o auge do apoio à democracia na região. Mesmo as vitórias de presidentes com tendência à esquerda não significariam que a região esteja dando uma guinada política, já que o maior exemplo dessa tendência, Hugo Chávez, reeleito com mais de 60% dos votos, não é visto como político de esquerda por 75% dos eleitores de seu país. O resultado geral, comparando-se a pesquisa de 1996 com a de agora, mostra uma maioria na Venezuela tendendo à esquerda, mas recuando alguns passos para o centro do espectro político. A tendência majoritária na região vai do centro para a direita política, sendo que a guinada mais forte foi no México, que em 1996 tinha a maioria se considerando mais à esquerda, e hoje a tendência é oposta. No Brasil, a situação pouco se alterou nos últimos dez anos, com a maioria dos pesquisados se colocando claramente no centro político. Uma boa indicação de que não há uma guinada à esquerda é a parte da pesquisa que mostra que Hugo Chávez é tão impopular quanto George Bush na região, apesar da ação antiamericana incessante de Chávez. Os principais motivos de preocupação, e de motivação para o voto, continuam tendo muito poucos ingredientes ideológicos: desemprego e pobreza de um lado, e segurança pública e criminalidade de outro, são preocupações que se complementam, sendo que a criminalidade em alguns países é o principal problema. Colômbia e Venezuela são exemplos dessa preocupação, dois países que só aparentemente vivem problemas diferentes, um com um governo considerado de direita e apoiado pelos Estados Unidos, o outro tido como de esquerda e querendo assumir na região o antiamericanismo ainda encarnado pela Cuba de Fidel Castro. Mesmo com a melhoria da cotação da democracia como sistema de governo, ainda é muito baixa a percepção de que esse sistema político favorece um governo equânime. Apenas 26% dos pesquisados consideram que seus países são governados para o benefício de todos igualmente, percentagem que dobra na Venezuela, indicação de que Chávez consegue provocar esse sentimento na população. Os presidentes George W. Bush, dos Estados Unidos, Fidel Castro, de Cuba, e Hugo Chávez, da Venezuela, são os mais conhecidos na região. O da Bolívia, Evo Morales, apesar de apenas recentemente ter sido eleito, já atinge 46% de conhecimento e quase alcança o presidente brasileiro Lula, que tem um nível de conhecimento de 51% depois de um mandato completo de quatro anos. Hugo Chávez, apesar de ter conseguido chamar a atenção dos meios de comunicação por ser, segundo o Latinobarômetro "um grande comunicador", não pode ser considerado ainda um líder regional. Cerca de um terço da região simplesmente não o conhece, e 39% têm uma avaliação negativa dele. Lula é o líder regional mais bem avaliado na pesquisa e, segundo a análise do Latinobarômetro, só lhe falta ser mais conhecido para que possa ser considerado um líder regional. Fidel Castro é desconhecido por cerca de 20% dos cidadãos dos 18 países pesquisados, e em que pese a estreita relação do governo brasileiro com ele, é no Brasil que é menos conhecido: cerca de 40% dos entrevistados não sabem quem é Fidel. A proximidade da enfermidade dos dois ditadores ícones da América Latina traz problemas para o governo brasileiro. Diante da morte de Pinochet, o presidente Lula divulgou um comentário oficial onde afirma que o ex-presidente chileno "simbolizou um período sombrio na história da América Latina. Foi uma longa noite em que as luzes da democracia desapareceram, apagadas por golpes autoritários". Ao mesmo tempo, para comemorar os 80 anos do ditador Fidel Castro, o PT escolheu o sociólogo Emir Sader para representar o partido nos festejos, em reunião que serviu de desagravo a Sader e da qual participou o próprio presidente Lula, que não teve pruridos ao criticar uma decisão judicial que condenou Emir Sader por calúnia contra o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen. A mensagem que Sader levou pessoalmente, assinada por toda a direção do partido oficial do governo, chama Fidel Castro de "querido presidente" e ressalta que "compartilhamos governos na maioria dos países da América do Sul (...) fortalecendo o projeto centrado no desenvolvimento com justiça social, soberania popular e integração solidária". |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, dezembro 12, 2006
Merval Pereira - Tendências latino-americanas
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