Míriam Leitão - O curso da vida |
Panorama Econômico |
O Globo |
5/12/2006 |
Numa sociedade em mudança, como fazer a transição pelos ciclos da vida? Especialmente a mais perigosa das passagens: virar adulto. Essa inquietante questão levou pesquisadores do Ipea a preparar estudos mostrando as dificuldades de ser jovem numa economia com pouco emprego, o risco de ser jovem num tempo de aumento da violência, e o desafio de virar adulto numa era em que tudo está em mudança, inclusive a família e os tempos da vida. São vários estudos de diversos autores sobre os muitos aspectos do tema do livro "Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição?", que será lançado no dia 15. Primeira dúvida: quantos são os ciclos da vida? O livro coordenado por Ana Amélia Camarano e pesquisadores do Ipea fala em quarta idade. O prolongamento da vida mostra que o que antes era considerado a última etapa, a terceira idade, na verdade, é ainda um tempo de muitas possibilidades. O foco do estudo, porém, é a juventude e todos os seus dramas numa sociedade como a nossa. Um dos dramas é que a transição é diferenciada num país tão desigual. Outro, é o aumento da mortalidade por violência. No comportamento e na estrutura das famílias, tudo está no meio de uma revolução e, por isso, os pesquisadores partiram de perguntas instigantes: que evento marca a transição para a vida adulta? É casar? Ter filho? Sair de casa? Entrar no mercado de trabalho? Antes havia uma ordem natural, um ritual preestabelecido; agora não há mais certezas. Na introdução, assinada por Ana Amélia e Juliana Mello, do Ipea, informa-se que, em 2000, 47 milhões de brasileiros tinham de 15 a 29 anos. Eram 28,3% da população, mas 58,1% dos desempregados e 40,9% dos que ganhavam menos de um salário mínimo. "Do total de óbitos causados por homicídios, 56,6% ocorreram na população de 15 a 29 anos." Das moças de 15 a 19 anos, 14,8% já tinham filhos, e metade morava com os pais. A maternidade se antecipou, mostra o estudo de Felícia Madeira, mas isso atropela a vida e a transição da jovem. A autora sugere políticas públicas que informem e ofereçam opções para escolhas mais conscientes. Os jovens brasileiros estão sendo atingidos por "instabilidade e precariedade da inserção no mercado de trabalho, instabilidade das relações afetivas, violência das grandes cidades, taxas crescentes e prevalência e mortalidade por doenças sexualmente transmissíveis, em especial a Aids". Por outro lado, vivem as vantagens das novas oportunidades para os jovens, do desenvolvimento acelerado do mundo das informações e das inovações, da expansão da educação no país e de mais liberdade nas relações pessoais. A desigualdade, que marca tudo no Brasil, também marca essa transição. Nascer homem no Nordeste, qualquer que seja a cor, pode significar viver 14,3 anos a menos que a mulher branca de qualquer região. As brasileiras da cor preta entram na escola mais tarde, estudam menos, casam-se menos, ficam menos tempo casadas, morrem mais cedo, diz o livro. Os jovens negros (pretos ou pardos) são as maiores vítimas da morte violenta. A vida das mulheres passou por mais mudanças: estudam mais e conquistam mais espaço no mercado de trabalho. O livro trata dos vários aspectos da transição, inclusive do que chamam de "transições negadas". Num dos capítulos, os pesquisadores Helder Ferreira e Herton Araújo contam que, na população como um todo, 8% das mortes são por causas externas (homicídio, trânsito e suicídio). Nos jovens, são 74% das mortes. É um evento da juventude, mas começa a aumentar em outras faixas etárias, inclusive em bebês de menos de um ano. "O Brasil tem regredido no que tange às causas externas. De quarto colocado em risco de morte em 1980, o grupo jovem se torna o primeiro colocado em 2000", registram os autores, que acrescentam: "Vivemos hoje num país mais violento que nos últimos vinte anos do século XX. É inequívoco o retrocesso da sociedade brasileira nesse campo." A boa notícia: a mortalidade por causas naturais, ou seja, doenças, diminuiu muito desde 1980 em todas as faixas etárias. Os jovens têm mais dificuldade de entrar no mercado de trabalho, ou entram num mercado em que está tudo mudando. O mundo do trabalho ficou mais incerto para todos, principalmente para os jovens, conta Nadya Guimarães. Para muitos, a transição não ocorreu da forma clássica: a saída da escola e, depois, a entrada no mercado de trabalho. Caiu o número de jovens sem escolaridade, mas ainda é alto. No Brasil, a lei que tornou obrigatório o ensino fundamental é de 1934, conta Ana Amélia, na conclusão. A universalização só ocorreu em 1990. "Uma parcela não desprezível, embora decrescente, de jovens que participam do mercado de trabalho nunca freqüentou a escola. Foram aproximadamente 800 mil em 2000", registra. Os jovens têm que fazer escolhas, são mais vulneráveis, têm pouca noção dos riscos, estão no meio do redemoinho de mudanças da sociedade, dos valores, da tecnologia. Os autores começaram estudando as mudanças pelas quais passam os brasileiros em transição para a vida adulta, mas acabaram concluindo que todas as etapas estão mudando. Mas os jovens, com seus tantos riscos e desafios, exigem que o país tenha políticas mais eficientes que os protejam e os incentivem na permanente reconstrução da vida. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, dezembro 05, 2006
Míriam Leitão - O curso da vida
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