Merval Pereira - Olhando longe |
O Globo |
5/12/2006 |
O que está em jogo na disputa da eleição das Mesas da Câmara e do Senado é a liderança desta coalizão partidária heterogênea e instável que o presidente Lula está formando para este seu segundo mandato, mas é também a própria sucessão presidencial de 2010, embora ainda nem tenha terminado o primeiro mandato do presidente Lula, o que pode ser indício de turbulências permanentes pelo caminho. A união do PMDB tem prazo de validade, que para o senador eleito Jarbas Vasconcelos não passa de seis meses. Pode durar menos ainda, temem os senadores José Sarney e Renan Calheiros, se o presidente realmente anunciar seu novo Ministério ainda este mês. A ambigüidade com que o presidente Lula sempre tratou as negociações congressuais, fingindo que não vê o que está acontecendo sob suas barbas, desaguou no mensalão e na eleição de Severino Cavalcanti para presidente da Câmara, tudo porque Lula não quis, no começo de seu primeiro governo, dar ao PMDB o lugar de destaque que para ele previra o chefe do Gabinete Civil e articulador político José Dirceu. Lula rejeitou o PMDB no governo justamente por seu fisiologismo, mas, jogando pela janela a chance de montar uma base de apoio parlamentar mais sólida, com o PMDB se juntando à esquerda partidária que já o apoiara na eleição (PT, PSB e PCdoB), no primeiro governo Lula acabou apelando justamente para o pior dos fisiologismos, caracterizado pelo mensalão, para governar com pequenos partidos, e o máximo que conseguiu depois foi pescar em águas turvas uma parte do PMDB, também à custa de muita distribuição de cargos. A possibilidade sem precedentes de uma união peemedebista neste segundo mandato também dependerá da distribuição de ministérios, agora de "porteira fechada", como a boa norma fisiológica exige, isto é, com direito a nomear todos os ocupantes dos órgãos subordinados ao ministério conquistado. A divisão de diretorias feita no início do primeiro governo deu no escândalo dos Correios, que gerou a série de denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson. Mas essas são disputas paralelas, de poder regional ou mesmo setorial. O poder real está mesmo sendo disputado na presidência das duas Casas do Congresso, e é por isso que o PT não abre mão de ter um candidato próprio, assim como o PMDB, que, além de tudo, tem a maior bancada. Dar a presidência da Câmara para o PCdoB só pode ser conseqüência de uma grave crise política, que havia na sucessão de Severino Cavalcanti, mas não há agora. As duas forças políticas que valem mesmo neste segundo mandato, o PMDB e o PT, estão disputando a hegemonia da coalizão diante de um Lula imobilizado. E já disputam também o futuro político na sucessão de Lula, que, por não ter nenhum candidato natural à sucessor, abre caminho para muitas alternativas. O deputado Ciro Gomes não está criticando a aliança com o PMDB apenas para defender o espaço político do PSB, mas também com vistas a 2010. O PT não está apresentando Arlindo Chinaglia como candidato da bancada à presidência da Câmara apenas para marcar sua presença na coalizão, mas também para dizer que tem ainda força política para não engolir qualquer um como candidato da coalizão à sucessão, isso na hipótese otimista de essa coalizão se agüentar inteira até o momento de se definir um candidato à Presidência, entre 2009 e 2010. O fato de por trás da candidatura de Chinaglia estar o ex-ministro José Dirceu demonstra que a cassação de seu mandato não lhe tirou a capacidade de planejar ações políticas de longo alcance. Conhecedor das forças e fraquezas petistas e, mais que isso, da força que o PMDB pode ter dentro do governo se se acomodar com todas as suas pretensões, Dirceu ainda manobra para manter o prestígio petista dentro da coalizão, que é, em última instância, a manutenção de seu prestígio político, seja como mero "consultor" independente, seja até como pretendente a uma anistia política que, embora improvável neste momento, pode ter mais consistência se apoiada pelo PT. E o PMDB tem já nas ruas muitos candidatos a essa sucessão, junto ou separado do PT. Se conseguir confirmar a pretensão de ser um presidente que une todo o partido, o ministro aposentado do Supremo Nelson Jobim desponta como um desses candidatos, e por isso há quem queira manter Michel Temer no cargo, para o partido não se entregar tão inteiramente nas mãos do governo, e muito menos definir com tanta antecedência um candidato à Presidência da República com tantos poderes partidários. Também o senador Renan Calheiros, que ensaiou se lançar candidato à Presidência da República quando Garotinho parecia poder vencer uma prévia partidária, tem na reeleição para a presidência do Senado um trampolim para eventuais vôos mais altos, se as trapaças da política permitirem. Mas o apetite do PMDB na Câmara pode afetar os planos de Renan no Senado, ainda mais porque a oposição tem no Senado uma maioria que pode perfeitamente levar à presidência o senador Agripino Maia, num movimento que também tem a ver com a sucessão de 2010. O presidente Lula, até o momento inerte, só faz gestos simbólicos a favor de Aldo Rebelo. Mas talvez não possa mesmo fazer mais do que isso, que já é um exagero diante do fato de que, até o momento, o atual presidente da Câmara pertence a um partido político que na próxima legislatura não poderá ter membros na mesa diretora, pois não cumpriu as cláusulas de barreira. Já é um absurdo que ainda se discuta a validade dessa regra, que está prevista nas leis há muitos e muitos anos. Mas, enquanto o Supremo Tribunal Federal não decidir sobre a constitucionalidade das cláusulas de barreira, não é aceitável que o presidente da República tenha um candidato ao segundo cargo na sucessão presidencial fora da lei. |
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terça-feira, dezembro 05, 2006
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