Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Míriam Leitão - Consumo na média



Panorama Econômico
O Globo
14/12/2006

A notícia do Banco Mundial de que a classe média vai crescer nos países em desenvolvimento vem com a ponderação de que o Brasil não comemore, pois aqui o fenômeno será mais lento devido ao baixo crescimento. Apesar disso, o país tem vivido, desde o Plano Real, um processo contínuo de ampliação da classe média, ainda que a impressão de muitos seja, em alguns momentos, de perda de capacidade de compra.

Aparecem, de vez em quando, reportagens e estudos falando em redução da classe média brasileira ou do achatamento da renda da classe. Quem vê a notícia, muitas vezes, identifica-se com esse quadro. De fato, alguns grupos da classe média perderam a capacidade de compra.

Contudo os dados de consumo não deixam dúvidas: a classe média cresceu nos últimos anos. Houve um aumento do acesso e da capacidade de adquirir inúmeros bens e serviços públicos. Essa ampliação do consumo não é determinada pelo aumento nominal dos salários, mas por processos mais complexos: a abertura e a estabilização aumentaram a competição na economia, que provocou a queda dos preços de inúmeros produtos. Segundo a LatinPanel, de 92 para cá, a classe média saiu de 26% dos domicílios para 37%.

Os casos mais eloqüentes da variação no consumo são o telefone celular e a fralda descartável. Desde o começo da década de 90 até agora, o celular saiu de pouco mais de 1 milhão de acessos para 95 milhões. O aumento de vendas de fralda descartável no país foi maior que 1.000% (mil por cento!) desde o Real. Há outros produtos e segmentos com crescimento menor, mas que indicam, igualmente, a existência de mais brasileiros no mercado de consumo comprando e escolhendo produtos que antes não estavam em sua cesta de compras. A LatinPanel aponta que, em 2002, a classe C comprava, em média, 28 categorias; agora são 33. A classe C hoje compra pós-shampoo, massa instantânea, caldos, esponja sintética e salgadinhos congelados; itens que antes não consumia.

Há uma infinidade de áreas em que o consumo oscilou de um ano para o outro, pode até ter caído em anos mais difíceis, como os de 98 e 99 e 2003, mas a comparação num prazo maior mostra que não se volta ao velho patamar. O consumo de alguns produtos, muitas vezes, também pode crescer por fatores que não têm a ver com a macroeconomia. Dados da ACNielsen, por exemplo, mostram que suco pronto e bebidas à base de soja cresceram 5% e 16% em 2006. Adivinhem quem caiu? Suco concentrado: 6%.

Para fazer sucesso num mercado que se expande, mas em um país que cresce pouco, as empresas e os setores precisam de estratégia. Quem monta uma boa estratégia acaba ocupando melhor a renda disponível dos segmentos médios. Este não é um momento daqueles em que esteja havendo um boom de consumo, no qual todos crescem e em que qualquer produto novo faz sucesso. É um tempo em que o mercado consumidor está, sim, em expansão, mas ele precisa ser conquistado. O governo Lula costuma dizer que está criando um mercado de consumo de massas. Na verdade, ele começou a ser criado pela estabilização, e vem se ampliando. Não é um processo que foi disparado por um governo específico, mas tem se mantido.

Que há espaço para crescer no varejo, há. O desafio das empresas é conseguir identificar melhor onde estão as demandas de consumo. A ACNielsen traçou um perfil interessante dos grupos domiciliares para tentar especificar algumas preferências. Separaram cinco grupos: casais sem filhos, com filhos pequenos, com adolescentes, com filhos adultos e pessoas que moram sozinhas. De um modo geral, o gasto dos grupos se assemelha a sua participação na população, porém, alguns ultrapassam essa porcentagem. Famílias com filhos pequenos, por exemplo, que equivalem a 47% dos gastos e, principalmente, as com adolescentes (17%), e com filhos adultos (14%).

O perfil do domicílio ajuda a determinar o local da compra. Quem mais gasta em bares e mercearias são as pessoas que moram sozinhas. Os supermercados são preferidos pelas famílias com filhos pequenos e com adolescentes. No atacadista, gastam proporcionalmente mais sobretudo as "famílias estabilizadas", ou seja, as com filhos adultos. Os campeões dos gastos com compras em padarias são os casais sem filhos. Gastam lá mais 40% que a média de todos os grupos.

Por compra, famílias com filhos adolescentes e com filhos adultos são as que mais gastam. Pessoas que moram sozinhas, por sua vez, gastam em torno de 20% menos que a média.

O mesmo levantamento identifica os produtos preferidos. As bebidas à base de soja são escolhidas pelas "famílias estabilizadas"; os bronzeadores, pelas com adolescentes; e leites fermentados para famílias com crianças.

Se o Brasil tiver um período de crescimento sustentado, esse processo de ampliação do consumo será mais forte. Será triste se o país perder o que o Banco Mundial mostrou no estudo publicado ontem no GLOBO: que, nos países em desenvolvimento, a classe média vai mais que dobrar nos próximos 25 anos.

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