O Globo |
14/12/2006 |
Segundo o levantamento do Latinobarômetro, ONG com sede no Chile que mede anualmente desde 1995 as percepções e os valores dos povos da América Latina em relação à política e à economia, as eleições que se realizaram na região no último ano fizeram surgir "uma nova geografia eleitoral", atribuindo-a, numa visão reducionista, pelo menos no que toca ao Brasil, à divisão entre ricos e pobres, colocando os primeiros à direita e os outros à esquerda. Segundo essa análise, as zonas que são pólos de desenvolvimento, como o Norte do México e a região de Santa Cruz, na Bolívia, por exemplo, assim como as zonas mais ricas do Sul do Brasil e as mais ricas do Equador, se alinharam com os candidatos da direita, enquanto as regiões mais pobres desses países apoiaram os candidatos mais à esquerda. O relatório diz que não há evidências ainda para dizer que a pobreza é a nova ideologia, que ultrapassou a doutrina ideológica do marxismo ou do socialismo, mas "há uma forte suspeita" de que isso tenha acontecido. Segundo o Latinobarômetro, os que se identificam como defensores dos mais pobres receberam os votos dos mais pobres, quebrando velhos alinhamentos e passando por cima de antigos acordos partidários. As eleições de Brasil, México, Bolívia e Peru mostrariam, segundo a análise, o voto dividido onde os pólos de desenvolvimento geográfico ricos votam de uma maneira e os pobres, que vivem no outro extremo do país, votam de maneira oposta. Como exemplo, o trabalho cita o México, onde o Norte rico votou em Calderón, que ganhou as eleições, e no Brasil o Sul, na Bolívia o oriente rico contra o altiplano pobre, no Peru as cidades costeiras que se opuseram aos quéchuas e aymarás. Segundo o Latinobarômetro, são países divididos pela riqueza e pelo atraso de seus territórios. Com relação ao Brasil, essa tese da divisão entre ricos e pobres, muito utilizada pela retórica eleitoreira de Lula na campanha, foi desmentida pelos números, embora tenha havido uma clara divisão do eleitorado no primeiro turno. Trabalho da equipe do cientista político da PUC-Rio César Romero Jacob, que já analisei aqui, mostra que não houve uma divisão simplista entre regiões nem entre ricos e pobres, e sim entre interesses específicos de grupos. Os mapas mostram que os eleitores votaram basicamente "com o bolso", não apenas os eleitores de Norte e Nordeste, por causa dos programas assistenciais, mas também o eleitorado de Sul e Centro-Oeste, contra o dólar barato que afetou o agronegócio. Mesmo no Norte do Rio Grande do Sul, Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná, tradicionalmente um eleitorado de esquerda, de pequenos produtores rurais, por integrar a cadeia produtiva do sistema exportador, desta vez votou contra Lula. O ex-presidente Fernando Henrique cita que as oligarquias nordestinas votaram em grande parte em Lula, assim como grandes empresários do Sul. O leitor Eduardo Silva, especializado em comércio exterior, acha que "uma visão reducionista externa sempre joga o Brasil no saco de gatos da chamada América Latina, muito embora a complexidade política, social e cultural do gigantesco Brasil tenha a sua própria e exclusiva dinâmica". "Basta lembrar a última eleição - que não pôs realmente na pauta a "região", o que dá uma idéia clara de que a realidade brasileira, espalhada em território tão vasto, já consome sobremaneira todas as nossa preocupações e atenções". Eduardo Silva lembra que mesmo "um fator recente que poderia ser considerado, a simpatia ideológica entre Lula e Chávez, até agora não passou, felizmente, de encontros e declarações folclóricos. Mesmo que queira, Lula não pode fazer do Brasil algo parecido com a Venezuela, devido às enormes diferenças entre os dois países", afirma. Acha que "o Brasil e o jornalismo brasileiro não deveriam cair na visão reducionista estrangeira. Eles sempre vão ver o país como se fosse uma peça a mais de uma falsa "região", incapazes de enxergar que o Brasil, em si mesmo, já é uma região à parte nas Américas. Tratam o Brasil como se fosse do tamanho do Uruguai ou Cuba e falássemos espanhol". O cientista político Octavio Amorim Neto, da FGV do Rio, vê a curiosa ligação entre a vitória dos democratas nas últimas eleições de novembro nos Estados Unidos e a predominância de candidatos ditos de esquerda na América Latina: "a rejeição à guerra do Iraque, uma repulsa a essa política neoconservadora de Bush". Para ele, "parte da força da esquerda latino-americana hoje tem a ver com o antiamericanismo que foi reforçado pelo unilateralismo da política externa de Bush, o que deu força à política de Hugo Chávez e seus parceiros Evo Morales na Bolívia, Correa no Equador, Daniel Ortega na Nicarágua". A vitória dos democratas, no entanto, vai trazer problemas para o Brasil, e a pior repercussão será no comércio, pois os democratas tendem a brigar por mudanças na política econômica globalizada, que culpam pelas dificuldades dos trabalhadores americanos com o emprego e o salário. A política comercial americana é acusada de favorecer as grandes corporações, e não o cidadão comum. O protecionismo defendido por fortes setores dos democratas acusa, por exemplo, as grandes cadeias de lojas americanas de se aproveitarem dos salários de escravidão da China para desempregar americanos e faturar mais. A ala protecionista democrata quer que os Estados Unidos se distanciem da Organização Mundial do Comércio, o fórum multilateral onde os países emergentes como o Brasil podem discutir e ganhar disputas comerciais contra os grande blocos econômicos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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