Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 14, 2006

CARLOS ALBERTO SARDENBERG Ricos ou livres?


Não se trata de saber se o êxito econômico do Chile atenua o terror imposto por Pinochet.

Não atenua, mesmo que o Chile fosse hoje o país mais rico do mundo. Se a receita de crescimento para países pobres fosse suprimir as liberdades e assassinar os adversários, isso seria a prova final da inviabilidade dessas nações. Teríamos que ser ou ricos ou livres? A história mostra, porém, todas as combinações.

Para ficar nos opostos: há países ricos e livres, assim como ditaduras pobres.

E há, sim, ditaduras que conseguiram bons resultados econômicos, isso medido pelo aumento da renda per capita e pela redução dos níveis de pobreza.

China, está na cara. Mas também a Coréia do Sul alcançou grau elevado de riqueza com regime autoritário. Nos dois casos, existiu uma decisão explícita ou implícita tomada pelas lideranças: primeiro, crescer rápido e aumentar o bolo, depois distribuir e implantar a democracia, se for inevitável.

Até aqui, foi na Coréia, em conseqüência da pressão por salários e votos, exercida por trabalhadores e classes médias formadas no processo de crescimento.

A política econômica escolhida nesses casos funciona melhor e, não raro, só funciona com regimes autoritários. São aquelas políticas baseadas em acumulação acelerada e exportação, o que exige salários baixos, trabalho intenso e pouco consumo interno, de modo a sobrar excedentes e poupança para novos investimentos. Na China, hoje, a poupança equivale a 40% do Produto Interno Bruto. Na Coréia, já democrática, 29%. No Brasil, 20%.

Não é possível aplicar essa política com sindicatos, partidos políticos e imprensa livres.

Amplas parcelas da população não aceitariam tamanho sacrifício imediato, e dificilmente seriam convencidas de que esse seria o caminho do crescimento.

Resta o paradoxo chinês: um partido comunista, supostamente controlado pelos trabalhadores, empenhado em implantar um capitalismo autoritário. Mas que, de fato, todo ano traz para as novas cidades e retira da pobreza milhões de pessoas que viviam no campo miserável.

No Chile de Pinochet, o regime econômico passou por diversos momentos. No início, a partir de 1973, tratou-se inicialmente de desmontar o sistema estatizante e populista que o governo socialista havia tentado introduzir. O país já estava parado, em forte crise, e a isso se acrescentou a recessão mundial de meados dos anos 70, que derrubou praticamente todos os emergentes.

Os salários desabaram, o desemprego chegou perto dos 40%. Não fosse a ditadura sangrenta, o governo teria caído.

Prosseguiu com a introdução das reformas pró-mercado, incluindo a polêmica privatização da Previdência. Deu uma melhorada e entrou de novo em recessão no início dos anos 80, de novo sob influência de crise internacional. Isso superado, aí, sim, a nova economia chilena engrenou: aberta, integrada ao mundo, livre mercado, forte estímulo ao empreendedor privado, mas mantendo a maior fonte de riqueza nacional, o cobre, sob controle estatal. E com parte de suas receitas carimbada para as Forças Armadas — o regime não era militar por acaso.

De todo modo, o país começou a crescer aceleradamente, ganhou renda.

Na primeira eleição livre, depois que Pinochet perdeu o plebiscito, Patricio Aylwin, da coligação democrata-cristã/ socialista, venceu Hernán Buchi, candidato do regime e que havia sido ministro da Economia nos últimos anos. Perdeu, mas fez 40% dos votos.

No primeiro governo civil, o ministro da Economia foi Alejandro Foxley, atual chanceler, que declarou então, em 1999: “Podemos não gostar do governo anterior, mas eles fizeram muitas coisas certas.

Herdamos uma economia que é um ativo.” Não reverteram as reformas, nem mesmo a da Previdência — embora, agora, o governo esteja tomando medidas para consertar desequilíbrios gerados.

Mantidas as bases, a economia chilena não só preservou a capacidade de crescer, como acelerou a expansão, já agora com a introdução de programas sociais e medidas favoráveis à distribuição de renda e aumento de salários.

Esses são os fatos. A pergunta: teria sido possível chegar a tais resultados econômicos sem a ditadura? Naquelas circunstâncias e naquela velocidade, não.

Mas isso não quer dizer que o único caminho seja o chileno, nem mesmo que seja recomendável. Apenas aconteceu assim.

É possível tirar um país da pobreza em regime democrático. Exemplo: Espanha.

E, considerada a maturidade das decisões políticas na redemocratização, é possível imaginar que o Chile teria conseguido feito semelhante.

É possível também que um regime militar atire o país no desastre econômico.

Brasil e Argentina, claro.

Voltaremos ao assunto.

Arquivo do blog