Estranho a política, vendo-a de longe. Nela, nunca se pode levar nada pelo valor de face e as contas nunca fecham. Veja-se o caso da sucessão da Câmara dos Deputados. O presidente Lula quer que seja reeleito Aldo Rebelo. Nada contra tão valoroso combatente da língua portuguesa e do folclore nacional, tão leal substituto presidencial, mas Aldo não é o mesmo cujo partido não deveria mais ter funcionamento parlamentar? Não sei o que seja “funcionamento parlamentar”, Mas creio que tal atributo é necessário a quem preside uma das casas do Parlamento.
Talvez por ver a política com olhos econômicos, tenha concluído que a cláusula de barreira iria ser um incentivo aos M&As na política. M&As, para quem é estranho à terra econômica, é a sigla que nomina os processos de fusão e aquisição de empresas.
Aquisição na política virou rotina, se é que entendi os valores do mensalão; mas fusão é mais incomum.
Um partido que não teve número de votos suficientes pode superar a barreira. Desde que se una a outro; ou outros. Por isso, calculei, as fusões passariam a ser mais freqüentes.
A cláusula foi criada com antecedência de 11 anos, logo, imaginei, todos fariam as projeções, planejamentos estratégicos, negociariam as fusões e teríamos, em 2007, menos partidos e mais facilidades do governo.
Foi com surpresa estrangeira que constatei que o incentivo e a antecedência não surtiram efeito. Alguns partidos foram procurar parcerias. Outros, como o do presidente da Câmara, demonstraram preferir a pureza ideológica albanesa a qualquer convergência funcional.
Tudo tem um preço. A opção aldista deveria ter como custo menos possibilidades, certo? Errado, porque hoje o próprio presidente da República quer mantê-lo na melhor cadeira da Câmara.
Quase todos os políticos brasileiros já disseram, pelo menos uma vez, a frase: “o Brasil precisa de uma reforma política”. A frase também circula majoritária pelas bocas e mentes de empresários, economistas e leigos. Como a cláusula de barreira é o primeiro passo para a diminuição do número de partidos, que é o primeiro desejo dos reformadores políticos, imaginava que seria cumprida. Mas não. Há uma tendência no país: certas leis não são cumpridas, nem revogadas; são apenas abandonadas. Se essa cláusula não superar a barreira do hábito nacional, terá esse destino.
A economia tem mania de dois valores: o nominal e o real; o valor de face e o trazido a valor presente.
Pensar assim vira hábito.
Mentes econômicas têm uma certa dificuldade de entender a formação das coalizões de governo no Brasil. A política sustenta que está se formando uma coalizão programática em torno do segundo governo Lula, que vai unir políticos notórios e assíduos em alianças passadas. Unem-se pelas idéias e por um projeto comum, registram certos avalistas políticos. Na linha de frente: Roriz, Benevides, Quércia, Sarney e Calheiros. Há outros, do mesmo patamar dos geddéis.
A mente econômica traz a valor presente, confere o nominal, desconta do valor de face o deságio embutido na taxa de risco e... a conta não fecha.
Azar da economia. Deve ser imperícia ou dificuldade de transposição das idéias e métricas. Limitação que impede a aceitação do cálculo de que 90% — Jarbas Vasconcelos fora — do PMDB apoiarão o novo governo, suas idéias e projetos. Cargos, apenas como conseqüência. O histórico partidário — ou, para ficar no idioma favorito de certos economistas, o track record — dificulta a comprovação da hipótese. Todos os índices de votação do PMDB em projetos dos governos que apoiou, todas as taxas de união partidárias do passado levam a crer que os 90% estão superfaturados.
Mas números na política devem ter outra consistência .
Existem variáveis políticas com as quais nem sonha a vã equação econômica.
Por exemplo — e mudando de continente para tentar encontrar uma espécie de LGP, Lei Geral da Política — o presidente Lula disse ao encontrar o ditador líbio: “Todos sabem que a Líbia está vivendo um processo de democratização.” Novidade, esse auspicioso evento da política líbia. Calculava que um político que está há 37 anos num cargo para o qual não foi escolhido livremente pelos eleitores não está comandando processo redemocratizante algum. Pode estar, no máximo, mudando alguma coisa para tudo ficar na mesma. Engano, pelo visto.
Para os que se acostumam com os termos de uma ata do Copom, fica difícil entender a parcimônia de um Gedimar Passos. Diante da insistência do deputado Fernando Gabeira, que queria saber como ele explicava a presença em seu quarto de duas bolsas cheias de dinheiro vivo, Gedimar respondeu: — É a circunstância da situação.
Isso explica tudo. Deve ser o que o credenciou para o grupo de Inteligência da campanha presidencial.
A resposta de agudo sentido resulta de uma inteligência superior. Mentes terrenas concluiriam que o deputado Gabeira queria apenas saber de onde vinha o dinheiro. Gedimar estava descobrindo a resposta para todas as perguntas inexplicáveis; uma espécie de chave mestra.
Quanto tempo a Humanidade teria poupado se já soubesse que tudo o que não se explica explicado está pela circunstância da situação. Quanta economia! A política tudo sabe.
Pena que seu sentido seja, às vezes, tão alheio à lógica comum.
Entrevista:O Estado inteligente
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