Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Merval Pereira - Tudo na mesma

O Globo
8/12/2006

Prevaleceu na decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal a tese de que as cláusulas de barreira que entraram em vigor nesta última eleição impedem a pluralidade partidária e seriam maléficas à democracia, e por isso mesmo inconstitucionais. O teor do voto do relator, ministro Marco Aurélio de Mello, foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros, e o julgamento passou a ser não sobre a necessidade de reorganização partidária, mas sobre a defesa da possibilidade de expressão das correntes e pensamentos políticos minoritários, que ficariam ameaçados.

Os políticos que defendiam a adoção dessas exigências para controlar a fragmentação partidária temiam que elas fossem conhecidas como "cláusulas de barreira" ou de "exclusão", pois pressentiam que a denominação poderia ser usada, como de fato foi, para classificar as regras de preconceituosas. A ministra Carmem Lúcia usou sempre a expressão "cláusula de exclusão", para dizer que já pelo nome não gostava da idéia. Argumentou que a "minoria de hoje tem que ter espaço para ser maioria amanhã", e relembrou até um passado político em que fora filiada a um partido pequeno, que depois virou "gente grande". Seria o PT?

O relator Marco Aurélio afirmou que "é injusto" colocar na vala comum partidos como o PPS, o PCdoB, o PV e o PSOL e partidos de aluguel. Lembrou os casos do vice-presidente da República, José Alencar, e do presidente da Câmara, Aldo Rebelo, eleitos respectivamente por PRP e PCdoB, partidos que não atingiram a cláusula de barreira.

Durante o julgamento, foram usados termos como "massacre das minorias", "cláusula de caveira", porque levaria à morte os pequenos partidos, e o ministro Ricardo Lewandowski chegou a afirmar que a cláusula feria "de morte" o pluralismo político.

O autor mais citado no julgamento foi o jurista e ex-deputado Marcelo Cerqueira, autor da tese de que as cláusulas de barreira são "o corredor da morte das minorias políticas". Do ponto de vista da democracia, o julgamento de ontem do Supremo foi uma celebração, dada a maneira quase histórica com que seus membros de posicionaram, unanimemente, a favor da pluralidade de opiniões.

Dois dos partidos que não cumpriram as cláusulas de desempenho - como deveriam ser conhecidas essas regras, pois tratam da performance eleitoral dos partidos, e não de restringir a representação de opiniões -, o PSOL e o Partido Verde, alegam que usar as cláusulas sem que seja no bojo de uma ampla reforma é um erro político.

O PV acha que elas só deveriam existir com um sistema proporcional por lista, como na Espanha e em Portugal, onde o eleitor vota no partido e no seu programa, e não em candidatos individuais; ou como na Alemanha, onde esse voto de lista convive com o componente distrital.

Alfredo Sirkis, que foi candidato a senador nas últimas eleições pelo PV, diz que, se adotadas, as cláusulas de barreira serviriam apenas "formar grandes partidões amorfos, muito parecidos entre si", pois nosso sistema eleitoral estimula que os partidos escolham candidatos que possam ter votos individualmente, sem que seja necessária homogeneidade programática. O jurista Marcelo Cerqueira diz que elas levariam "todos os partidos à convergência do centro político", e as divergências seriam "apenas táticas".

O deputado federal Chico Alencar, que se elegeu pelo PSOL, questiona a "cláusula de desempenho" no que ela tem de asfixiante: "Como eleger parlamentares e não ter direito a funcionamento parlamentar? Como deixar 99% dos recursos do Fundo Partidário e do tempo de TV e rádio para os grandes partidos - que ficam cada vez mais fisiológicos e menos doutrinários - e só 1% para todos, que não são nem "todos os outros", pois estão incluídos nesse mínimo restante os próprios partidões? Não queremos igualdade de condições, pois reconhecemo-nos como minoria: apenas lutamos pelo direito de existir, e crescer, com direitos proporcionais ao nosso tamanho", diz Alencar.

Ele discorda de quem considera que a cláusula, sem uma reforma política substantiva, dará aos nossos partidos políticos perfil mais doutrinário, e vai dando exemplos de nossas mazelas partidárias que continuariam intactas mesmo com a adoção das cláusulas de barreira: "Vide as fusões, Roberto Jefferson, Costa Neto e que tais no comando da captação de milhões do Fundo, o "ônibus" PMDB, os "currais" do PFL, a "geléia" tucana, a "gangsterização" de parte do PT".

Com a prevalência da tese da democratização partidária, apesar de sua fragmentação, os partidos políticos nanicos que vendem seu tempo de televisão ou atuam nas campanhas eleitorais como "parceiros" de candidaturas mais fortes continuarão a atuar no cenário político. Ao mesmo tempo, não temos sinais de que conseguiremos fazer a tal reforma política substantiva, que sane, pelo menos em parte, os males do nosso sistema partidário.

Não conseguimos nem mesmo regulamentar leis que organizem o financiamento das campanhas eleitorais, talvez o ponto nevrálgico de toda nossa desorganização política. Agora mesmo, tanto o presidente Lula quanto os governadores José Serra e Aécio Neves, e dezenas de deputados e senadores eleitos, estão tendo suas prestações de contas barradas pelo TSE e pelos tribunais regionais pelos mesmos erros, como aceitar doações de empresas concessionárias de serviços públicos.

Como situação e oposição estão cometendo os mesmos enganos em relação à legislação eleitoral, é provável que ela tenha brechas que precisam ser fechadas, ou pelo menos será preciso deixar mais claro no texto legal o que é permitido e o que é vedado fazer. Por enquanto, a pretexto de defender a democracia e a pluralidade, não conseguimos ter nenhuma legislação que organize nosso sistema político-partidário. Caiu a verticalização, caíram as cláusulas de desempenho, os mensaleiros e sanguessugas não foram punidos, e tudo continua no mesmo lugar no mundo político. Até quando?

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