O Globo |
8/12/2006 |
Não se pode dizer que a orientação ideológica do governo Lula seja socialista, pouco interessando o que isso significa hoje em dia. Pelo que se percebe, serve-se no Palácio do Planalto uma salada mista de tendências e credos pessoais. Na dança de cadeiras da segunda metade do mandato, quadros históricos petistas foram substituídos por quem estava à mão (e não tinha até então metido a própria mão onde não deveria). Há, com certeza, muita gente que se formou na esquerda no organograma atual do PT, mas nem pelo número nem pelo comportamento esses quadros definem ideologicamente a equipe do momento, nem a que se esboça para o segundo mandato. A política externa, onde não houve até agora dança de cadeiras, é caso à parte. Principalmente no que se refere às relações com a vizinhança. Pela primeira vez na História, o Brasil, com esse tamanhão todo, deixou o centro do palco para se comportar como fanzoca (não é expressão pejorativa, mas descritiva: significa fã exaltado) do populista Hugo Chávez. Isso implica aceitar e mesmo aplaudir a sua versão pessoal e peculiar de socialismo, que ele define como "bolivariano". O que não quer dizer coisa alguma: nada tem a ver com pensamentos, palavras e atos de Simon Bolívar. Chávez mantém certa distância do regime castrista, outro que também se diz socialista -- e, no momento, agoniza. A sua versão "bolivarista" tem em comum com a de Fidel apenas a denúncia permanente dos Estados Unidos como inimigo comum. O venezuelano (que é bom lembrar, começou sua carreira política como militar golpista) criou uma cesta de planos e metas de fabricação própria. O "socialismo" inclui um projeto de reeleição sem limite do presidente da Venezuela e o estabelecimento no país do regime de partido único. Ele argumenta - ninguém ria, por favor, porque o homem fala sério - que discussões políticas reduzem a eficiência dos governos. Chávez anuncia também - e é a proposta que melhor define suas intenções - a instituição de um sistema educacional "ideologizado". Se isso não é receita de ditadura, o que está faltando? Um chefe de Estado que assim mostra a sua cara simplesmente não pode ser visto pelo Itamaraty e o Planalto como aliado confiável do Brasil no continente e no mundo. Muito menos deve ser tratado com um respeito que ele sequer finge retribuir. Como se viu, por exemplo, no caso dos problemas da Petrobras na Bolívia. Lula tem a obrigação óbvia de condenar abertamente os projetos anunciados pelo presidente da Venezuela, definindo-os como indisfarçável receita de totalitarismo puro. Mas dá para apostar que o presidente do Brasil não abrirá a boca. Não sabe que é seu dever e até seu interesse fazê-lo. Quanto mais não seja, para informar ao mundo que não há aqui qualquer simpatia por agressões à liberdade e à democracia, realizadas ou apenas anunciadas. Lula, podem apostar, vai perder mais uma chance de preservar o que resta ao governo brasileiro de liderança e respeito no continente. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, dezembro 08, 2006
Luiz Garcia - Receita de ditadura
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