Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 05, 2006

Luiz Garcia - Primeiro, bater o pênalti

Luiz Garcia - Primeiro, bater o pênalti


O Globo
5/12/2006

Em lance dentro da área, o juiz apita um pênalti. Mas os jogadores do time punido avisam que não vão deixar bater - pelo menos até que eles confirmem a falta pelo videoteipe.

Coisa parecida com esse absurdo está acontecendo, num jogo bem mais sério.

É a rebelião de presidentes de 20 Tribunais de Justiça estaduais, que se recusam a obedecer à decisão do Conselho Nacional de Justiça de cortar salários e outros tipos de remuneração de juízes e funcionários, considerados acima do limite legal. Para piorar as coisas, a desobediência foi comunicada de viva voz à presidente do Supremo Tribunal Federal e do próprio Conselho, ministra Ellen Gracie, que deu aos rebeldes a importância que mereceria uma atitude tão oportuna quanto pertinente.

"O conselho não tem sempre razão", disse um dos líderes do motim, o desembargador Celso Limongi, de São Paulo, onde, a propósito, foi localizado o maior salário do país: R$34,8 mil, bem mais do que ganha um ministro do Supremo. Com esse tipo de argumento, alega-se que há erros no levantamento que provocou a decisão moralizadora do CNJ. Pode ser verdade. Mas acontece que, num país onde existe o primado da lei, a ordem de um órgão que tem direito e dever de decidir é primeiro obedecida - e em seguida recorre-se contra ela. Desobedecer de saída é impensável. Isso vale tanto para cidadãos comuns como para juízes e desembargadores.

Como costuma dizer conhecido jurista, "a lei é clara". Segundo a emenda constitucional que o criou em 2004, cabe ao CNJ "o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário."

Ele tem competência e obrigação de "apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário..."

Portanto, o conselho não estava se metendo na vida alheia e sim simplesmente cumprindo sua obrigação, ao examinar os salários pagos pelos tribunais do país e emitir decisão - repita-se: não simples opinião, mas decisão de quem controla - cancelando os abusos.

E não é novidade que abusos tenham sido encontrados. Quem não sabe que algumas áreas ou instâncias do Judiciário costumam ter generosidade de pai rico de filha única na fixação de vencimentos e vantagens para seus integrantes?

Falemos sério: o CNJ só existe porque há esse tipo de problema. Suas decisões podem ser contestadas, mas têm de valer, porque assim manda a lei, até serem derrubadas na Justiça - se forem. Qualquer outra forma de reagir não passa de motim. E como motim deve ser tratada, inclusive e principalmente pelo Supremo Tribunal Federal.

Arquivo do blog