O Globo |
21/12/2006 |
Mais importante do que a decisão tomada sobre o subsídio dos parlamentares é entender o que se passou na cabeça de "suas excelências" ao assumirem a decisão estapafúrdia de praticamente dobrar os vencimentos numa canetada só, para depois, trazidos ao mundo real por uma reação violenta da opinião pública, passarem a ter a visão equilibrada que deveria ter sido a tônica desde o início da discussão. Tudo indica que, ao decidirem dobrar os salários para chegar ao teto permitido por lei, deputados e senadores sentiam-se protegidos de tal forma, diante de tudo o que aconteceu impunemente nessa legislatura de triste memória, que consideraram que a opinião pública que protestaria contra o aumento abusivo já não tinha forças para mobilizar a população. É apenas uma conseqüência natural que, diante da "absolvição" que alguns mensaleiros e sanguessugas receberam dos seus pares, e das urnas na última eleição, e depois de o próprio presidente Lula ter dito que venceu a eleição graças à ligação direta que tem com o eleitorado, sem intermediações, os parlamentares achassem que poderiam arrostar a opinião pública sem que nada lhes acontecesse. Talvez o fato de o presidente não estar desta vez ao lado do aumento abusivo tenha pesado contra os parlamentares. Talvez o fato de estudantes da UNE e sindicalistas da CUT se sentirem liberados para protestar tenha dado aos movimentos contra o aumento dos parlamentares um toque de rua que faltou na crise do mensalão, onde esses e outros "movimentos sociais", dependentes integralmente das verbas governamentais, só fizeram protesto a favor. Ou talvez o aumento abusivo tenha sido a gota d"água que faltava para fazer transbordar o pote cheio "até aqui de mágoa" da sociedade brasileira. O fato é que a reação da sociedade foi intensa e violenta como há muito não se via por aqui. Como no episódio da cassação do deputado José Dirceu, quando ele levou umas bengaladas na cabeça, também o deputado ACM Neto levou uma facada nas costas de uma desequilibrada, alegadamente por conta do aumento dos parlamentares. São gestos extremos contra políticos de origem em tudo dessemelhantes, e ambos os casos devem ser rejeitados no processo democrático. Mas são gestos desesperados, que indicam a urgência de a classe política buscar caminhos para que as frustrações encontrem desaguadouros mais adequados à democracia. O Congresso deveria ser essa última instância da cidadania, que deveria ver nos seus representantes a legitimidade para defender seus interesses, em vez da defesa do interesse próprio, que prevalecia na discussão sobre os subsídios dos parlamentares até que a virulência da opinião pública chacoalhasse deputados e senadores, trazendo-os mais para perto de seus eleitores. A reunião dos líderes na tarde de ontem, que antecedeu a votação, foi em tudo e por tudo diferente daquela primeira, em que se decidiu dobrar os salários sem nem mesmo consultar o plenário das duas Casas. Todos ali estavam cientes do que havia provocado a insensatez generalizada, e entendiam que era preciso fazer algo que correspondesse ao anseio da opinião pública. A decisão de analisar primeiro o fim da chamada "verba indenizatória" de R$180 mil anuais e dos injustificáveis 14 e 15 salários, obedece a um raciocínio básico, que deveria ter prevalecido desde o início, não fosse a ganância dos que queriam manter todos os privilégios e acrescentar a eles um direito, o da equiparação ao salário dos ministros do STF. Essa equiparação está prevista na lei e é perfeitamente justa, já que se tratam de poderes iguais que, junto com o Executivo, fazem o equilíbrio da democracia, não havendo explicação para que uns ganhem menos que os outros. O que os diferencia são exatamente as vantagens e os excessos de mordomias, que devem desaparecer em todas as instâncias dos três Poderes para que a discussão ganhe algum sentido lógico. Pagar um bom salário para ministros de Estado, ministros dos tribunais superiores, Ministério Público, deputados e senadores não deveria indignar ninguém, desde que esses altos funcionários públicos não se locupletassem com outros "penduricalhos" por fora, como a tal "verba indenizatória" que não paga nem Imposto de Renda. Os apartamentos funcionais deveriam ser todos vendidos, pois já não há mais explicação para que se proporcione a parlamentares, ou funcionários públicos de maneira geral, incentivos para que se sintam atraídos por Brasília. Essas facilidades foram criadas há quase 50 anos, quando se queria consolidar Brasília como a capital. Agora, já não há mais essa necessidade. A situação política, no entanto, já não permite que se faça a equiparação neste momento, mas nada impede que ela seja iniciada, dentro de outros parâmetros. O que denotará o espírito com que esse processo de equiparação será feito é a maneira de conduzi-lo. A escolhida pelos senadores, com o apoio de alguns deputados, é a mais rancorosa, não a melhor. Congelar o salários dos ministros do Supremo até que o dos parlamentares atinja os R$R 24 mil é apenas uma vingança, não uma solução. Na coluna de ontem cometi dois erros de identificação e uma injustiça. Os senadores Tião Viana, do PT, e Jefferson Peres, do PDT, não são líderes de seus partidos no Senado. A injustiça foi com o senador Peres, que se pronunciou da tribuna contra o aumento de 90,7% e, por não ser líder, não tinha que estar presente à reunião de líderes que o aprovou. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, dezembro 21, 2006
Merval Pereira - A gota d"água
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