6/12/2006 |
Mais uma vez o governo se enreda nas teias de sua própria trapaça e está quase perdendo a batalha da lógica econômica para uma aparente lógica política, que de lógica não tem nada. Porque fez um orçamento claramente supervalorizado nas receitas, com base em um crescimento irreal do PIB para o próximo ano de 4,5% - as previsões oficiais já estão em 3,2% -, o governo agora tem um "compromisso" de dar um reajuste do salário mínimo acima das suas possibilidades reais. Mas esse é um falso dilema, que poderia ser resolvido com o recálculo automático da previsão contida na Lei de Diretrizes Orçamentárias, bastando que se utilizasse o que diz a lei: o salário mínimo deve ser reajustado pela variação da inflação calculada pelo INPC e pelo crescimento do PIB per capita. Como os dois índices serão menores do que estava previsto na proposta orçamentária original, o valor de R$375 para o mínimo deve ser revisto para R$367, mas o próprio Ministro da Fazenda Guido Mantega, em campanha para permanecer no cargo, admite que está "politicamente" difícil fazer essa conta, vista pelos sindicatos e pela oposição como uma "redução" do mínimo, quando na verdade ainda embute um aumento real. Que os sindicatos lutem por um aumento do salário mínimo até maior, de R$420, é compreensível, faz parte do trabalho deles. Que a oposição mantenha-se numa posição radicalizada, como fazia o PT antes de ser governo, e insista em manter os R$375, é também compreensível para quem acha que fazer oposição é colocar sempre o governo contra a parede, embora não devesse ser esse o entendimento de uma oposição responsável. Caso contrário, jamais sairemos desse círculo vicioso, onde fazer oposição é embaraçar o governo, seja qual for o tema. Mas o que não é compreensível é que o governo não tenha condições políticas, com a maioria que está formando, de resolver questões tão simples como seguir a letra da lei. Se é assim nesse caso, em que não se está alterando nenhuma lei, o que dizer da reforma da Previdência que se impõe, embora o governo aja como avestruz, querendo não ver o que está pela frente? Diante da incapacidade de investimento do Estado, que de repente tanto tem angustiado o presidente Lula, como se ele tivesse feito uma grande descoberta depois de quatro anos de governo, como não enfrentar a questão dos gastos públicos? Nos últimos 15 anos, as despesas primárias do governo cresceram sem controle. Passaram de 16,5% do PIB em 1994, antes do começo do primeiro governo FH, para 19,5% do PIB no fim do primeiro mandato, e chegaram a 21,6% do PIB no fim do segundo, em 2002. Entre 2002 e 2005, já no governo Lula, a relação gasto público/PIB registrou um novo aumento, chegando a 23% do PIB. Nesses anos todos, segundo os estudos técnicos, a razão principal para esse aumento foram os gastos previdenciários. O aumento na despesa com pessoal se explica integralmente pelo gasto com inativos, que representavam 0,9% do PIB em 1991 e hoje representam 2,2% do PIB. Para se ter uma idéia do peso da Previdência, o gasto social do governo em 2005 representou 62% do total da sua despesa primária. Desses, 70% são gastos com aposentadorias. Segundo os técnicos, parte considerável da tendência de crescimento ao longo do tempo da despesa com aposentadorias, especificamente do INSS, está ligada ao que se denomina "efeito salário mínimo", ou seja, o incremento da relação das despesas com benefícios do INSS em relação ao PIB, resultante do aumento do valor real do salário mínimo ao longo do tempo. Entre 1991 e 2004, os gastos correntes, que correspondem especialmente a benefícios do INSS, pagamento de pessoal e transferências a estados e municípios, aumentaram nada menos que 7,5% do PIB. E, nos últimos 12 anos, o salário mínimo teve um aumento real acumulado de 94%. Uma solução como a defendida pelo ministro Mantega, de reduzir os aumentos reais do salário mínimo através da vinculação com o aumento do PIB per capita e o INPC, que o governo considera "politicamente difícil" de implementar, é menos eficaz que outras propostas que estão em discussão. O economista Fábio Giambiaggi, do Ipea, por exemplo, um estudioso do tema, com vários livros publicados, defende uma reforma ampla da Previdência, com a indexação de todas as aposentadorias ao INPC, em vez da desvinculação do aumento do salário mínimo das aposentadorias, esta sim uma solução política difícil de ser aprovada. Além do mais, ela faria com que a pressão se transferisse para o aumento real das aposentadorias. Segundo ele, nos próximos 25 anos, vai aumentar em torno de 4% a cada ano o número de pessoas acima de 60 anos. Além disso, de cada três aposentados, dois ganham salário mínimo, e, se continuarem tendo aumento real, por definição o gasto real vai passar de 4%, e a relação INSS/PIB vai crescer indefinidamente. Com a indexação ao INPC, os aposentados teriam a garantia de manter o poder de compra. Se o governo, com uma coalizão tão ampla quanto a que está armando para o segundo mandato de Lula, não tem condições políticas para bancar o cumprimento de uma lei em vigor, como poderá enfrentar as reformas que a realidade já vai impondo à medida que os palanques eleitorais vão se desarmando? Se não for para aprovar reformas constitucionais de que o país necessita, a maioria parlamentar parecerá apenas defensiva, contra eventuais crises políticas, pretéritas e futuras. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, dezembro 06, 2006
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